Título: Flexibilização da CLT e reforma trabalhista
Autor: Montesso, Cláudio José
Fonte: Valor Econômico, 09/07/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Em recente entrevista ao Valor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mais uma vez sinalizou com a necessidade de reformas e incluiu, entre elas, a reforma trabalhista. Em diversos momentos, setores da mídia, economistas, políticos e outros menos cotados sempre sinalizam com a necessidade de uma reforma trabalhista. O argumento - de todos ou de quase todos - é o de que, sendo uma legislação de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) precisa ser modificada em face do desenvolvimento ocorrido em seis décadas e das evoluções que o mundo do trabalho sofreu, particularmente no campo tecnológico e das comunicações. Outro argumento questionável é a necessidade de se inserir os trabalhadores hoje desabrigados no mercado informal e, para isso, é preciso mudar as leis de proteção. Ou seja, para inserir o desprotegido, é preciso desproteger a todos.

Mas nenhuma das pessoas que sustentam a necessidade de reformulação da legislação indica claramente quais seriam as mudanças pretendidas em uma eventual reforma. Dizer simplesmente que a legislação é antiga não basta. Apesar de a CLT datar de 1943, as leis trabalhistas foram as que maiores mudanças sofreram neste período, inclusive quanto aos direitos dos trabalhadores. A principal delas - e maior golpe na proteção ao trabalho - foi a instituição do regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) sob a falsa pecha de optativo e, posteriormente, em 1988, tornado obrigatório para todos os trabalhadores. Ainda considerando-se o texto constitucional de 1988, até hoje não se regulamentou o inciso I do artigo 7º da Constituição Federal, que prevê a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa. Ou seja, não se cumpre os comandos da Carta Maior, que era o de dar proteção à vigência do próprio contrato, no país de maior rotatividade de mão-de-obra do mundo.

O direito do trabalho e as normas que regulamentam as relações de emprego surgiram para garantir um mínimo de direitos ao trabalhador que, isoladamente, não tinha e ainda não tem qualquer poder de negociação na hora de pactuar o contrato de trabalho. São normas de proteção para evitar que, em face do poder econômico do empregador, as condições do contrato sejam desumanas e indignas. Surgem para resgatar a civilidade das relações entre o capital e o trabalho.

Desta forma, por mais que tenham ocorrido inovações tecnológicas ou avanços econômicos que resultaram em classes de trabalhadores mais esclarecidos, na hora de ser contratado o empregado continua necessitando de uma proteção legal que lhe garanta um mínimo de condições de trabalho. Essa proteção se exacerba ainda mais diante daquelas mencionadas inovações, pois colocam o empregado em condição ainda mais desfavorável. E aí ressurge a pergunta que não quer calar: o que pretendem reformar?

Certamente não será algo que amplie o leque de proteção dos trabalhadores. Quando se fala em inovações tecnológicas e em avanços econômicos como determinantes para a alteração da legislação, na verdade tem-se o objetivo de justificar propostas de flexibilização das normas de proteção e ampliar as formas de contratação precarizantes e cada vez mais disseminadas em nossa sociedade - como a praga da terceirização, que tanto mal faz aos setores privados e mais ainda ao setor público, a contratação por cooperativas fraudulentas ou o eufemismo para a ilegalidade, transformando o trabalhador em pessoa jurídica. Quando se sustenta que a legislação é antiga é para dizer que a novidade é a autonomia da vontade das partes, quando nem mesmo os liberais do século XIX acreditavam quer ela fosse plena diante das condições desiguais entre os empregados e oa empregadores. Quando se afirma a necessidade de inserir trabalhadores informais no mercado de trabalho, não é para criarmos mais vagas com carteira assinada, mas sim para eliminar a própria carteira assinada.

Esta última hipótese mostra que seus defensores, em se tratando de trabalhadores, têm visão diametralmente oposta em relação à informalidade do comércio e da indústria. O que alimenta a informalidade é a pirataria, o contrabando e o desrespeito à propriedade intelectual. Mas ninguém em sã consciência defenderia que, para sanar estes problemas, fossem flexibilizadas as normas que tratam daqueles assuntos. Pela lógica deles, o trabalho se insere apenas como uma mercadoria e um custo na produção, negando-lhes o direito de serem considerados seres humanos. Pela lógica dos supostos empreendedores, trabalhador com direitos atrapalha e, por isso, é melhor eliminar esses direitos, já que não se pode, pelo menos inteiramente, eliminar o trabalhador.

No momento em que o peso dos salários na riqueza nacional vem sendo reduzido ano a ano, é leviano pretender a redução de direitos da classe trabalhadora, sob o argumento de que só assim serão criados mais empregos. Afinal, o país precisa decidir se quer construir uma sociedade de cidadãos ou de meras mercadorias.

Cláudio José Montesso é juiz titular da 58ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, professor licenciado de direito processual civil da Universidade Católica de Petrópolis e presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)

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