Título: Exportação extra do Brasil só ameniza "apagão" argentino
Autor: Rocha, Janes e Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 04/07/2007, Brasil, p. A3

Uma missão da Secretaria de Energia da Argentina seguiu ontem para Brasília para negociar o preço e as condições de fornecimento de eletricidade do Brasil para o vizinho, informou ao Valor uma alta fonte diplomática. No último fim de semana, o presidente Néstor Kirchner pediu pessoalmente ajuda ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para aumentar a venda de energia do Brasil para a Argentina. Foi durante a reunião de presidentes do Mercosul em Assunção, Paraguai. O governo brasileiro se comprometeu a aumentar a exportação de eletricidade à Argentina em 200 a 400 MW adicionais aos atuais 700 MW importados pelo vizinho. A quantidade e o preço estão em negociação.

Os argentinos vivem uma crise sem precedentes de falta de energia (elétrica, gás e diesel) devido ao forte crescimento da economia (entre 8% e 9% anuais nos últimos quatro anos) e do baixo investimento em geração. A oferta não acompanha a demanda que bateu recorde este ano, com 18.279 MW.

O presidente Lula respondeu prontamente ao pedido de Kirchner e, já no sábado de manhã, uma missão - da qual faziam parte o secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia, Ronaldo Schuck, o superintendente de Regulação dos Serviços de Geração da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Rui Altieri, e o diretor da área de gás e energia da Petrobras, Ildo Sauer -, se reuniu na sede da embaixada brasileira em Buenos Aires com o ministro argentino do Planejamento, Julio De Vido e o secretário de Energia, Daniel Cameron. A reunião durou o dia inteiro e a missão partiu de volta ao Brasil no fim da tarde do mesmo sábado.

A importação de energia elétrica do Brasil ajuda, mas não resolve o problema da Argentina. Embora o governo não admita oficialmente, o país está enfrentando um racionamento de fato, que atinge principalmente as empresas e grandes consumidores do comércio, que estão sendo convocados a reduzir o consumo durante os horários de pico. Com o "cobertor curto", o governo tem dado preferência a abastecer o consumo doméstico e de serviços essenciais.

No último informe semanal distribuído pela Companhia Administradora do Mercado Atacadista Elétrico S.A. (Cammesa) aos operadores do país, fica claro que ainda vai faltar energia, mesmo com um aumento da oferta vinda do Brasil. O boletim, datado de 2 a 8 de julho, informa que "para esta semana, se prevê uma demanda máxima de 18.350 MW (sem considerar a redução de 1,2 mil MW exigidas das empresas) e a geração para abastecer essa demanda, menos as importações (Paraguai, 80 MW e Brasil, 700 MW) será de aproximadamente 16.370 MW". Ou seja, somando-se as importações, a Argentina conseguirá elevar a oferta para 17.150 MW, que é exatamente o limite a que se chega em

consumo depois da redução imposta às empresas.

O quadro se agrava porque a economia continuava crescendo em ritmo acelerado até junho, atingindo 8,1% acumulados em 12 meses. Com as restrições energéticas, já se prevê uma desaceleração a partir de agora. Por outro lado, os investimentos públicos e privados em geração atualmente em andamento são de longo prazo e devem começar a dar os primeiros resultados só no ano que vem.

Para piorar, o clima não está ajudando. O frio intenso e antecipado (começou no fim de abril) veio seco e está provocando falta de água para mover algumas das maiores hidrelétricas que abastecem o país, na região do Comahue (centro-sul, nas províncias de Neuquén e Río Negro). "A Central Salto Grande continua com baixa disponibilidade de energia e a falta de chuvas nas bacias dos ríos do Comahue (Negro, Neuquén e Limay) levaram as represas das centrais da região a valores próximos aos mínimos operacionais", informa o boletim da Cammesa. Segundo a imprensa local, até o dia 11, se não chover, as centrais Piedra del Águila e Pichi Picún Leufú, instaladas nessa região, deixarão de operar, tirando 1 mil MW do sistema.

Sem mencionar a ajuda do Brasil, Kirchner comentou o problema do déficit energético ontem durante um ato público, dizendo: "Sempre há problemas a resolver e há tarefas pendentes. Mas prefiro uma Argentina no limite, crescendo, que gere trabalho, que a indústria cresça, que a economia cresça, que o consumo cresça."