Título: Escândalos paralisam de novo agenda do Congresso
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/07/2007, Opinião, p. A12

A sucessão de escândalos envolvendo parlamentares provocou uma redução ainda maior que a já habitual dos trabalhos do Congresso. Passou a ser rara a operação da Polícia Federal que não envolva congressistas membros da megabase aliada do governo. De um lado, a inação do Congresso só não é absolutamente desastrosa porque, entre outros motivos, a agenda do governo para o ano é modorrenta. Dado, porém, o padrão de denúncias ininterruptas de todo tipo de falcatruas praticadas por políticos, que se avoluma desde o mensalão, pouco se pode esperar da atividade legislativa. É possível que esta pasmaceira, pontuada por espetáculos públicos de degradação da vida parlamentar, consuma os próximos quatro anos e o país perca tempo precioso com isso.

O espetáculo deprimente patrocinado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, contribui a cada dia para enlamear a imagem do Senado. Não há fundo do poço para o padrão ético de governistas e aliados. Chegou-se a um ponto em que se procura impedir qualquer tipo de investigação. O apoio público ao presidente do Senado tem sido um passaporte para a suspeição. O aliado de Renan e presidente do Conselho de Ética, Leomar Quintanilha (PMDB-TO), tem contra si dois processos no STF, por participar de um esquema do desvio de verbas em 80 obras públicas em 33 municípios do Tocantins, beneficiadas com emendas do parlamentar. Quintanilha remeteu o processo contra Renan para a Mesa Diretora, alegando vício de procedimento. Os erros cometidos, intencionalmente ou não, foram praticados por Renan Calheiros e pessoas por ele nomeadas, que deles também se beneficiam. O mínimo exigido nesta situação seria o afastamento, ainda que temporário, de Renan da presidência do Senado.

A certeza da impunidade empurra os políticos para demonstrações de escárnio à população. A estrela do Senado anda em baixa e o ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz acrescentou um toque de desdém para com a inteligência alheia ao envolver bezerras e trocos de milhões para justificar a partilha de R$ 2,2 milhões recebidos do empresário Nenê Constantino, presidente do Conselho de Administração da Gol. Suspeitas seguem cada passo do senador Roriz e investigações que a Procuradoria Geral da República pede sobre o caso e denúncias de compra de decisões de juízes no Tribunal Regional Eleitoral do DF têm potencial explosivo.

Ao constituir uma aliança transatlântica para tocar seu mandato - 10 partidos - e chamar o PMDB para o governo, o presidente Lula deveria ter em mente a aprovação dos projetos de seu interesse no Legislativo. O outro lado da moeda está se mostrando mais verdadeiro. O PMDB tem um histórico de descaso com o dinheiro público, para dizer o mínimo, e alianças sem princípios, como essa e as que geraram o mensalão são fontes permanentes de crises e de paralisia administrativa. E é possível que os escândalos recentes sejam apenas um aperitivo do que está por vir. O segundo mandato de Lula será marcado pela elevação dos gastos com obras públicas e, a julgar pela absoluta falta de controle sobre destino de dinheiro e execução das obras, denúncias não faltarão. A partilha de importantes cargos públicos por critérios apenas políticos reforça o loteamento do Estado a interesses de grupos e é receita certa para a corrupção.

Enquanto os congressistas se desmoralizam em praça pública, a popularidade do presidente Lula se mantém em alta. Com a economia em boa forma, o que se passa no Congresso é visto como irrelevante. Há muito a fazer para remover os obstáculos para o desenvolvimento e a paralisia atual terá seu preço pago no futuro. Se ao governo interessa arquivar as reformas e fazer a política do toma-lá-dá-cá, manter a superaliança que o sustenta pode se revelar uma nulidade dispendiosa. Só não o é porque ela serve para aprovar projetos vitais para o governo nos próximos 4 anos, que já estão atrasados: os projetos de prorrogação da CPMF, desvinculação de receitas e alguns do PAC. Não que eles, como estão, sejam essenciais ao país. Soterrado por denúncias, o Congresso não faz qualquer discussão relevante sobre eles - por exemplo, sobre a necessidade de reduzir a CPMF ao longo do tempo - e vota tudo de afogadilho. Abdica de sua função duas vezes.