Título: Os impasses do G-8 e o Brasil
Autor: Barbosa, Alexandre de F.
Fonte: Valor Econômico, 06/07/2007, Opinião, p. A13

A recente reunião do G-8, realizada na Alemanha, não trouxe novidades. O tema da regulação financeira foi descartado, como sempre, por EUA e Inglaterra. Os desequilíbrios econômicos globais também saíram da agenda, já que ninguém quer falar de crise quando se vive em cenário de expansão. Frases proclamando o combate à pobreza foram lançadas ao vento, mas sem que se deixasse de fazer as ressalvas de sempre: respeito à propriedade intelectual e combate à corrupção nos países pobres. Sobre meio ambiente, os EUA aparentemente apresentaram uma postura menos unilateral. Preocupadas com a artilharia verbal de Putin, as potências ocidentais preferiram ser menos assertivas em relação aos cinco "primos pobres": África do Sul, Brasil, China, Índia e México.

Voltemos um pouco no tempo para que possamos entender o que está em jogo. Em 1976, o G-7 foi criado como clube informal das nações desenvolvidas, para que pudessem "combinar o jogo" em assuntos tais como crise do petróleo, taxas de juros e oscilações cambiais. A China não havia iniciado a sua abertura, a Rússia ainda era socialista, os tigres asiáticos apenas engatinhavam e os países latino-americanos cresciam voltados para os seus mercados internos. Em 1988, sem se acabar com o G-7 econômico, surgiu o G-8, com a inclusão da Rússia para que fossem tratadas questões geopolíticas.

Nos últimos 30 anos, muita coisa mudou. A China "capitalista" responde por boa parte do déficit externo americano, enquanto os países emergentes recebem investimentos externos mais expressivos e se posicionam de forma competitiva no comércio de bens e serviços. Alguns números revelam a transformação da economia mundial: 89% da população, 2/3 das reservas internacionais e 50% da produção mundial hoje se encontram nos países do mundo em desenvolvimento.

Não obstante, a superestrutura política internacional, especialmente nos temas econômicos, tem ficado cada vez mais obsoleta. O FMI não consegue emprestar para quase ninguém - optando por mudanças cosméticas no número de quotas para alguns países - enquanto o Banco Mundial vivencia uma crise de credibilidade e a OMC não consegue deslanchar uma rodada do desenvolvimento que seja digna deste nome.

Algumas vozes dissonantes - como a dos economistas Joseph Stiglitz e Stephany Griffith Jones - têm questionado a assimetria existente entre a nova estrutura socioeconômica e este sistema de poder obsoleto. No seu entender, o G-8 deveria dar lugar a um G-N ampliado, onde participariam as novas potências emergentes, alguns países mais pobres e representantes de blocos regionais. Este novo fórum deveria ser utilizado para impulsionar reformas nas organizações multilaterais, estabelecendo uma governança global mais legítima.

Qual a chance desta nova organização emergir? E, neste caso, deveria o Brasil cumprir um papel ativo na sua construção? As questões estão obviamente interligadas.

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Ora, os países do G-7/G-8 acreditam que podem gerir os problemas econômicos e ambientais mundiais, preservando os seus interesses e de suas empresas, e deixando os demais de lado. Preferem tocar o seu G adiante, com algumas pequenas mudanças no cardápio. Na sua visão, o clube informal não pode ser expandido, pois existe uma comunidade de valores: democracia, direitos humanos e etcétera e tal. Os países não-brancos seriam naturalmente avessos a tais sentimentos nobres.

Para compensar esta descortesia, convida-se uma elite de cinco países para participar do último dia do banquete. Trata-se, enfim, de uma tentativa de cooptação sem reforma. Duas declarações diferentes inclusive foram produzidas, quando os convivas já estavam empanturrados.

Como o governo brasileiro tem reagido a este movimento do G-7/G-8? De um lado, o presidente Lula - tal como o seu antecessor - adora posar na foto com os grandes líderes mundiais e isto lhe aumenta a credibilidade internamente e, até junto a parte da esquerda, que vê no Brasil um líder global do questionamento ao poder dos ricos. Por outro lado, e diferentemente do seu antecessor, o governo Lula participa do banquete, mas se recusa a se colocar como subserviente ou parceiro de segunda classe das nações poderosas.

Não deixar de ser ingênuo acreditar que se possa ingressar num grupo fechado - e sufocado por séculos de arrogância imperialista - para transformar as suas premissas básicas e seu modo de funcionamento. O Brasil aceita o convite para o jantar, debate os temas propostos e se recusa a participar do "conluio" com os poderosos.

Em poucas palavras, a estratégia parece ser a de "manter-se fora, mas participando sempre que possível, para denunciar as injustiças da ordem internacional". A mesma atitude tem prevalecido na posição brasileira acerca da adesão à OCDE. Neste caso, estamos juntos com China, Índia, Rússia e África do Sul.

É possível dar um passo adiante? Isto exigiria supor uma coerência de propósitos e convicções entre estas novas potências em desenvolvimento, que não existe na prática. O que há são alianças informais entre estas nações e de cada uma delas com seus blocos regionais, sem menosprezo de suas relações bilaterais com os países desenvolvidos. Neste emaranhado de acordos de geometria variável, entrecruzam-se, de um lado, uma ordem internacional que insiste em não morrer e, de outro, aquelas nações que almejam uma posição privilegiada na nova ordem que está por emergir.

Qualquer estratégia de política externa, neste contexto, deve apostar em múltiplas e complexas alianças, que mudam de acordo com os temas, fazendo com que alguns de nossos companheiros de ontem se tornem adversários amanhã. É, ao que parece, a opção brasileira. Trata-se de uma estratégia acertada, ainda que sujeita a chuvas e trovoadas, já que nossos parceiros e adversários muitas vezes não se comportam da forma esperada. O problema básico é que entrar neste jogo pesado, com juro alto, câmbio baixo, mercado interno acanhado, baixo investimento em inovação e Estado Nacional sem poder de planejamento e regulação, enfraquece o nosso poder de fogo.

Alexandre de Freitas Barbosa é doutor em economia aplicada pela Unicamp e participou nos dias 6 e 7 de junho, em Berlim, do seminário "Global Economic Imbalances, a Need for Global Governance beyond the G-8?", organizado pela FES - entidade de cooperação alemã.