Título: Companhias locais miram o exterior
Autor: Adachi, Vanessa e Balarin, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 06/07/2007, Empresas, p. B3

As companhias brasileiras que estão em condições de competir no mercado internacional encontraram na atual liquidez financeira uma oportunidade de comprar ativos fora do país. O lançamento de ações na bolsa se mostrou instrumento importante nessa estratégia. Com isso, as empresas locais agora também estão em condição de planejar serem consolidadoras em seus setores e não só alvos para estrangeiros adquirirem.

A JBS-Friboi, apenas dois meses depois de abrir capital na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e captar R$ 1,2 bilhão, comprou a americana Swift e tornou-se a maior produtora mundial de carnes. A transação, de US$ 1,4 bilhão, é considerada o ícone da mudança de paradigma que se processa no setor produtivo nacional.

A Coteminas, após adquirir a americana Springs, prepara a listagem da empresa no mercado paulista, justamente para obter recursos com plano de liderar a consolidação global no segmento de cama, mesa e banho. A empresa tem projeto declarado de aquisições na Europa e na Ásia.

Há cerca de duas semanas, a Cosan, maior empresa nacional de açúcar e álcool, anunciou ambicioso projeto de listar ações na bolsa de Nova York, a Nyse, e levantar recursos para expandir a produção. O objetivo da operação, que tem gerado polêmica junto aos minoritários, é ter condições de comprar ativos fora do país no futuro para ser um importante - se não, o maior - agente do setor de etanol. Para elevar a capacidade doméstica, quer captar até US$ 2 bilhões.

Tanto Cosan, quanto Coteminas não podem comentar os planos, pois estão restritas pelas regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O diretor do banco de investimento Rothschild, Luiz Muniz, que assessorou a JBS-Friboi no negócio com a Swift, destaca que o país tem um empresariado bastante capacitado. Na avaliação dele, diversas companhias com boa administração não tinham acesso a recursos para projetos de porte. Para Muniz, a listagem de ações foi fundamental para a Friboi.

Com acesso a capital, mais companhias podem ter planos de internacionalização. Tais projetos não precisam mais ficar restritos às gigantes como Vale do Rio Doce e Gerdau. Essas empresas foram pioneiras nas aquisições além da fronteira brasileira. O sócio de finanças corporativas da KPMG, Cláudio Ramos, explica que elas se beneficiaram da alta global das commodities, o que as capitalizou com resultados mais robustos.

Na opinião do diretor de investimento do WestLB, Aristides Jannini, faz todo sentido as empresas brasileiras realizarem esse movimento e elas estão capacitadas para tal empreitada. Para ele, o Brasil está buscando seu nicho no mercado consumidor internacional e há espaço a conquistar, pois oferece qualidade e custo competitivo.

Os números da KPMG sobre fusões e aquisições refletem a internacionalização. No primeiro semestre deste ano, foram realizadas 32 transações em que companhias brasileiras compraram participação em empresas estrangeiras. No ano passado inteiro, ocorreram 47 negócios do tipo e, em 2005, só 24.

De acordo com Ramos, sócio da consultoria, essa iniciativa permite que as empresas nacionais reduzam o risco de aquisição e ainda deixem de sofrer barreiras protecionistas que podem estar expostas quando são apenas exportadoras, a partir da produção no Brasil.

A PricewaterhouseCoopers mostra essa tendência por outra perspectiva. Segundo o levantamento da consultoria, houve alta substancial no número de negócios liderados por companhias domésticas neste ano. Das 249 transações envolvendo controle e compra de fatia minoritária do primeiro semestre de 2007, 67% foram coordenados por grupos brasileiros nacionais, ante os 55% de 2006.

A onda de produção externa está alcançando até mesmo empresas médias como a Vulcabras. A companhia de calçados anunciou nessa semana a compra da argentina Indular. O valor do negócio não foi divulgado. Mas o diretor-superintendente da companhia, Milton Cardoso, contou ao Valor que a fábrica argentina receberá investimentos de US$ 25 milhões. Ao anunciar a transação, a empresa destacou que a iniciativa permitirá a diversificação da moeda de produção, concentrada em real.

O desenvolvimento do país e a valorização do real são apontados por especialistas e executivos das companhias como uma das razões que motivam os negócios internacionais. "Com aquisições , as empresas ficam menos expostas ao risco cambial", afirma Ramos, da KPMG. Com o real mais forte, o custo do produto lá fora sobe. Para Renato Soriano, sócio da Rosenberg Partners, cada vez mais, o principal para as companhias são o produto e a marca - e menos o local de fabricação. "A produção ocorrerá onde for mais barato."

A internacionalização, nada mais seria, para Soriano, do que a adaptação a esses novos tempos. "Agora o Brasil é capitalista." (Colaboraram Roberta Campassi e Patrícia Nakamura)