Título: UE sugere corte de 5 pontos em tarifa industrial
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 05/07/2007, Brasil, p. A3

A União Européia (UE) reconheceu ontem as "demandas legitimas" do Brasil por cortes nas tarifas e subsídios agrícolas nos países industrializados e reduziu sua demanda na redução de alíquotas industriais no Brasil. Mas, por outro lado, colocou pressão para Brasília fechar logo um acordo, e evitar o risco de barreiras adicionais às exportações.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez, repetiu que os negociadores brasileiros tem uma "cartinha no bolso" para fechar o acordo que, ao seu ver, depende sobretudo da flexibilidade que os europeus e americanos apresentarem na área agrícola.

O dia deveria ser marcado pelo lançamento da parceria estratégica UE-Brasil, mas foi dominada pela Rodada Doha. Pouco depois de o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim ter desembarcado em Lisboa com o presidente Lula, o comissário europeu de comércio, Peter Mandelson, foi ao elegante hotel Ritz e reuniu-se com ele por quase duas horas.

Mandelson saiu direto para o encontro empresarial Europa-Brasil, onde durante almoço abordou a situação da negociação na Organização Mundial do Comércio (OMC). Disse "aceitar a demanda legítima" do Brasil na área agrícola, concordou com o Brasil que os Estados Unidos devem fazer o maior corte nos subsídios agrícolas e efetivas disciplinas para controlar certos programas agrícolas, e do lado europeu indicou que Bruxelas "pode fazer amplos cortes tanto nas tarifas quanto nos subsídios agrícolas no âmbito de nosso mandato".

Em Potsdman, a União Européia pediu corte médio de 58% nas tarifas industriais consolidadas, pedido que o Brasil rejeitou, dizendo que só aceitava uma redução de 50%. Mandelson, agora, diz que o "esforço" que espera do país é que reduza a "proteção tarifária atual em cerca de 50% das linhas tarifárias atuais", num período de mais de seis anos. Pelo seu cálculo, isso significa uma redução geral de cinco pontos percentuais nas tarifas industriais, e de dez pontos percentuais nas alíquotas cobradas na importação de automóveis.

Na avaliação do comissário europeu, essa é uma proposta "moderada, restrita e com um período longo de implementação". Mas ele acrescentou que é "preciso um nível mínimo de acesso ao mercado, para vender o acordo na Europa e no resto do mundo", disse Mandelson.

A pressão veio em seguida. Para o principal negociador europeu, a conclusão da rodada Doha é "crucial" para o Brasil porque, sem acordo na Organização Mundial do Comércio, "os seus parceiros comerciais vão procurar erguer barreiras contra economias emergentes em rápido crescimento, como a sua [a brasileira]".

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) imediatamente fizeram o cálculo e concluíram que Mandelson estava agora pedindo uma fórmula com coeficiente 23 para produtos industriais. Aceitar isso significa fazer um corte nas tarifas aplicadas de 4.400 produtos.

Mandelson negou, dizendo que era pouco porque, mesmo se ele aceitasse o coeficiente 23, os americanos e japoneses recusariam. Falou então que a União Européia poderia se contentar talvez com coeficiente 21, que para a CNI significa corte em torno de 58%.

Mandelson não quis falar do encontro com Amorim, e aproveitou para dar uma alfinetada, deixando claro que ficou mais interessado com o que ouviu do setor privado brasileiro. Carlos Cavalcanti, diretor da Fiesp, não fez rodeios. Disse que a indústria brasileira pode aceitar o que a UE está pedindo, desde que haja uma contrapartida importante na parte agrícola.

"Esquece Nama (produtos industriais), o problema é na agricultura", disse Cavalcanti. "A UE quer designar como sensíveis pelo menos 50 linhas tarifárias agrícolas que são essenciais para o Brasil. Precisamos resolver isso, senão não dá". O presidente da Comissão Européia, Durão Barroso, concluiu depois de conversa com Lula que as diferenças são "menores do que imaginávamos" e insistiu que pode haver espaço para concluir a rodada até o final do ano.

Os mediadores agrícola e industrial na OMC vão apresentar seus textos de propostas negociadoras dentro de suas semanas. Depois então, será a vez de ver a reação dos países. Mas pouca gente, afora o otimismo de ontem, parece acreditar que Doha será concluída este ano ou mesmo no ano que vem.

O comércio entre a União Européia (UE) e o Brasil, que ontem assinaram um acordo de aliança estratégica, chegou a 43,9 bilhões de euros em 2006 (quase US$ 60 bilhões), segundo a Comissão Européia. Os intercâmbios com a Europa estão em alta constante desde 2003, ano em que alcançaram o valor de 31,2 bilhões de euros (cerca de US$ 42,5 bilhões) em bens e serviços. Entre 2003 e 2006, esses volumes cresceram 40,7%. Em 2005, o Brasil era o 11º sócio econômico da UE, segundo um relatório da agência de estatísticas européia Eurostat publicado em setembro de 2006.