Título: Diplomata defende bloco sul-americano
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 05/07/2007, Brasil, p. A4

Apesar das diferenças com os países vizinhos, Brasil e Argentina devem engajar-se na formação de um bloco sul-americano, para "poder participar de forma mais eficiente no processo político e econômico de embate entre os grandes blocos de países", defendeu o secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, em seminário sobre o diálogo entre os dois países, promovido em Buenos Aires.

Na véspera da chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a Portugal, para celebrar uma "aliança estratégica" com a União Européia, Pinheiro Guimarães, na Argentina, criticou severamente as intenções dos países ricos, como os europeus, nas negociações de comércio.

Os países "do centro" negociam para manter os privilégios de suas populações, que estão mingüando em regiões como a Europa, e só querem livre comércio para mercadorias e serviços, que interessam as suas empresas de atuação global, argumentou o diplomata, que ocupa o segundo posto na hierarquia do Itamaraty. "Abertura de mercado para bens e capitais, sob uma ideologia de livre comércio, mas não para os bens agrícolas, não para a mão-de-obra, e não para a tecnologia", disse Pinheiro Guimarães. "Para essas três coisas, não há livre mercado, só há livre mercado para o que interessa ao centro do sistema."

Ele acusou os países ricos de usarem razões "ideológicas" para recusar a liberação de bens agrícolas, migração de mão-de-obra e tecnologias. "Alegam a segurança, a beleza do meio ambiente, que não se pode perturbar o setor agrícola da Europa, 'la Provence' (região rural francesa)...", ironizou. "Em breve, teremos a desculpa da segurança energética."

Para Pinheiro Guimarães, que falou na 2ª Jornada de Diálogo Brasil-Argentina, promovida pela Universidade Federal Fluminense, Universidad Tres de Febrero e a Universidad de Rosario, os países da América do Sul vivem um dilema, de como garantir o desenvolvimento em um contexto de crescente concentração de poder, de concorrência com a China por mercados e investimentos, de desenvolvimento tecnológico acelerado e de "financeirização" do sistema econômico mundial. Os ativos financeiros globais valem, hoje, três vezes o total da produção real dos países, comparou.

"Não queremos integração apenas porque é boa a liberação das travas, porque nos agrada o livre comércio ou formar um bloco, isso não é suficiente", disse o número dois do Itamaraty. Os países menores, por diversas razões, são atraídos para os blocos formados pelos mais desenvolvidos. "A América do Sul deve fazer parte de um desses blocos que surgem, ou armar seu próprio bloco, para defender melhor seus interesses de todo tipo, ambientais, comerciais, militares, relativos à migração, nesse processo de negociação de normas internacionais?", perguntou.

Ele criticou as políticas de segurança dos países ricos, por desrespeitarem princípios internacionais de não-intervenção e respeito à autonomia dos países. "Por outro lado, querem o desarmamento dos desarmados, enquanto se mantém o poder militar dos que o têm, e muito." Para o diplomata, Brasil e Argentina devem recusar-se a incorporar-se aos grandes blocos e promover a aproximação dos países sul-americanos.

Ele não comentou os recentes conflitos verbais entre o Brasil e os presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e da Bolívia, Evo Morales. À saída do seminário, não quis falar sobre as críticas severas de Chávez ao Mercosul e as ameaças do venezuelano de retirar o pedido de entrada no bloco. Segundo um graduado diplomata, os recentes gestos do venezuelano consolidaram, em todos os governos do Mercosul, a decisão de só aceitar a entrada da Venezuela após o compromisso firme de Chávez em abrir o mercado aos futuros sócios e adotar a Tarifa Externa Comum.

Pinheiro Guimarães preferiu criticar, em sua palestra, veladamente, sem citar nomes, países como o Chile, que têm se associado às nações desenvolvidas nas negociações internacionais de comércio.