Título: Troca-troca de gabinetes
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 06/01/2011, Politica, p. 6

CONGRESSO Com o aval da Casa, deputados mudaram de escritório ou repassaram para colegas e parentes antes do sorteio

Criado para evitar a negociação direta entre deputados, o sorteio dos gabinetes vagos entre os novos eleitos vai sendo aos poucos desmoralizado pelas regras excessivamente flexíveis e protecionistas criadas pela Mesa da Câmara. Para não precisar contar com a sorte na busca por um bom escritório, vários deputados acabam fazendo a troca direta, com autorização da direção da Casa, poucos dias antes do sorteio.

Aconteceram 18 permutas. E foi criada uma nova regra que institui o direito de herança de gabinete. Pelo menos três novos deputados terão o direito de se instalar no gabinete ocupado atualmente pelos seus pais. A mãe de um e a mulher de outro também já estão com a acomodação garantida, todos instalados no anexo 4.

No último dia permitido para a permuta de gabinetes, 6 de dezembro, a Câmara aprovou, por exemplo, a troca entre os petistas Antonio Palocci e Jilmar Tatto, ambos de São Paulo. Sem tentar a reeleição, Palocci já estava indicado para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil. Tatto mudou do gabinete 643 para o 548, que tem a visão do prédio principal da Câmara e do Palácio do Planalto.

No mesmo dia, houve uma troca tríplice entre deputados maranhenses. Derrotado na disputa para o Senado, Roberto Rocha (PSDB) deixou um gabinete completamente reformado no anexo 4, com banheiro e área de 39 metros quadrados, para se acomodar num acanhado imóvel de 33 metros quadrados e sem banheiro no anexo 3, antes ocupado por Waldir Maranhão (PP). Reformado a um custo aproximado de R$ 100 mil, o disputado gabinete de Rocha foi entregue a Carlos Brandão (PSDB) sem passar pelo sorteio realizado em 22 de dezembro. O imóvel de Brandão, por sua vez, foi destinado ao conterrâneo Waldir Maranhão.

O chefe de gabinete de Rocha, Ivo Almeida, explicou com naturalidade o motivo da troca. ¿Se não a fizessem, o gabinete entraria no sorteio¿. Ele disse que a troca foi solicitada dentro do prazo previsto pelas normas da Casa. É vedada a permuta nos 15 dias que antecedem o sorteio. Segundo informou a direção da Câmara, o pedido dos deputados e a autorização da mudança aconteceram no mesmo dia, 6 de dezembro. Almeida confirmou que a reforma custou ¿quase R$ 100 mil¿ e afirmou que Rocha não solicitou nenhuma indenização do novo ocupante. O gabinete dispõe de uma sala com mesa de reuniões, sala de espera e um ambiente de trabalho completamente modificado em relação aos imóveis originais.

Preferenciais O Ato da Mesa n° 88/2006 criou os critérios para a distribuição dos gabinetes, já com vários privilégios. Ficaram dispensados do sorteio, pela seguinte ordem de preferência, os ex-presidentes da Casa, pessoas com dificuldade de locomoção, pessoas com mais de 65 anos, mulheres, titulares da legislatura vigente, suplentes que tenham exercido o mandato por pelo menos um ano e ex-deputados federais. Quem se reelege pode indicar o gabinete preferido, mas pode perder o imóvel para um colega que tenha preferência.

Em 2010, foram alterados dois dispositivos e incluído um bastante polêmico. A idade mínima para os idosos caiu de 65 para 60 anos e foram incluídos ex-senadores na lista dos privilégios. Também foi criada a preferência ao cônjuge, pai, filho ou irmão de titular não reeleito. Uma prática tipicamente patrimonialista, que vem a ser a aprovação privada de um bem público. Essa reserva de mercado assegurada aos parentes foi justificada no Ato nº 68/2010. Supostamente, visa a economia administrativa e a ¿garantia da continuidade de acesso do eleitorado ao gabinete tido como referência da base eleitoral do titular não reeleito, que regularmente é a mesma do deputado eleito com mencionado grau de parentesco¿, segundo o texto. Na prática, a direção da Câmara admite que o novo eleito vai herdar, além do gabinete, o curral eleitoral do parente que vai deixar o mandato.

O Correio identificou pelo menos três deputados que vão ocupar o gabinete do pai, sem terem passado pelo sorteio. Fábio Trad (PMDB-MS) fica com o gabinete de Nelson Trad (PMDB-MS). Félix Júnior (PDT-BA) recebe o imóvel de Félix Mendonça (DEM-BA). O ex-governador de Pernambuco Mendonça Filho (DEM) será acomodado no gabinete de José Mendonça Bezerra (DEM). O melhor localizado deles, com vista panorâmica para a Praça dos Três Poderes, é o de Félix Júnior. A deputada Iracema Portela (PP-PI) herdou o gabinete do marido, Ciro Nogueira (PP-PI), que foi eleito senador. Nogueira foi destacado praticante do nepotismo. A deputada Nilda Gondim (PMDB-PB) fica com o escritório do filho, Vital do Rego Filho (PMDB-PB). A reportagem telefonou para os gabinetes e telefones celulares dos deputados citados, mas nenhum retornou a ligação.

Contratação cruzada O deputado Ciro Nogueira (PP-PI) notabilizou-se na Câmara pela prática do nepotismo, quando isso não era proibido. Em janeiro de 2003, ele realocou a sua família, que estava espalhada por cargos da Mesa e na Coordenação de Programas Especiais. Empregou o pai, o ex-deputado Ciro Nogueira, a mãe e duas irmãs. Fazia nepostimo cruzado com o então deputado Efraim Morais (DEM-PB). Acomodava parte dos parentes na primeira- vice-presidência, cargo de Efraim, enquanto recebia na quarta-secretaria uma irmã e uma cunhada do colega. A Ata nº 13 do Supremo Tribunal Federal vedou a contratação de parentes no serviço público.

Sindicância vai apurar passagens » A Mesa Diretora do Senado decidiu, no último dia 22, abrir uma sindicância interna para investigar irregularidades na emissão de passagens aéreas para senadores. Há cinco anos, apenas uma empresa presta esse serviço à Casa, obedecendo a um contrato anual no valor de R$ 2,2 milhões. Três funcionários da Casa foram escolhidos para investigar as supostas ilegalidades, mas o grupo não tem um prazo para concluir o trabalho. No início de 2009, denúncias semelhantes envolveram a Câmara dos Deputados.