Título: Crescimento torna mais apertada oferta de energia
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Fonte: Valor Econômico, 05/07/2007, Opinião, p. A12

A aceleração do crescimento da economia coloca em estresse o sistema de abastecimento de energia elétrica. No plano decenal para o setor, a Empresa de Pesquisa Energética previu que, em vez dos 40 mil MW de energia adicional anual estimados anteriormente, o país terá de produzir algo entre 45 mil MW e 50 mil MW, se o PIB avançar entre 4,1% a 4,9% ao ano. Há dúvidas se essa oferta estará realmente disponível a tempo. O período crítico começa em 2009, quando as projeções privadas apontam para um aumento do risco de apagão, pois a margem do risco do sistema se afasta razoavelmente de 5%.

O nó da oferta neste período encontra-se no gás, o que não quer dizer que o acréscimo de energia hidrelétrica não sofra problemas, como acabou de demonstrar a ação civil pública que paralisou as obras da usina de Estreito. A tumultuada nacionalização do gás boliviano pôs em xeque a regularidade do abastecimento e possíveis aumentos da quantidade de produto ofertado. A mudança da atitude boliviana alterou todo o cronograma da produção interna de gás, que teve de ser acelerada para evitar a escassez.

Já em setembro passado, seis das 11 térmicas a gás não puderam operar quando delas foi demandada carga extra a partir do Sudeste. A situação a médio prazo não é confortável, como comprova a recusa das térmicas em aceitar multas da Aneel nos contratos a partir de 2012, caso não tivessem condições de despachar a energia por falta de entrega de gás pela Petrobras. A Petrobras também se recusou a compartilhar riscos, o que indica que não há garantia firme de disponibilidade. Por esses motivos, o leilão de energia das térmicas foi adiado para 26 de julho, enquanto se põe de pé um esquema que acomode os interesses.

A solução para o qual se encaminha pode apenas contornar o problema. Seria criada uma "poupança" da geração térmica, como relatou o Valor (4 de julho). As térmicas poderiam gerar energia sempre que houver gás e não apenas para complementar a oferta hídrica. Essa energia criaria créditos, que seriam abatidos das multas quando as térmicas não conseguissem garantir o abastecimento. Isso não resolve a falta de gás - só assegura a oferta de energia mais cara quando ela é dispensável e não quando necessária.

Do lado da oferta hidrelétrica, mais preocupações. No planejamento estratégico, foi adiada por um ano a entrada em operação das usinas de Santo Antonio (2012) e Jirau (2013) no rio Madeira. O leilão para energia de 2010 foi postergado e não tem nova data ainda. A explicação oficial é a de que novas usinas conseguiram o sinal verde ambiental e não tiveram tempo para se candidatarem à licitação.

A perspectiva de abastecimento apertado indica que o princípio da modicidade tarifária começará a ser erodido por pressão da demanda. É preciso ressaltar que em seu conjunto a situação é muito melhor que a vigente antes do apagão de 2001 e que o país tem energia potencial de sobra para atender ao consumo crescente. As dificuldades concentram-se em como aumentar a oferta em curto espaço de tempo, tendo, ainda por cima, de interromper a mudança da matriz energética por causa da tempestade política sobre a oferta de gás boliviano.

Um estímulo de preços pode trazer para mercado a geração de energia de bagaço de cana, cuja disponibilidade está dando saltos com a febre de projetos para a produção do etanol. A oferta desse tipo de energia no ultimo leilão foi tímida. Segundo Marcos Jank, presidente da Unica, que representa as usinas de cana, a geração pode chegar a 20 mil MW (duas Itaipus) até 2020 - hoje, é de 2 mil MW.

Há também sete novas usinas hidrelétricas a caminho da licitação que não necessariamente enfrentarão os mesmos problemas que as do rio Madeira. A opção pelo uso da energia nuclear pode acelerar o licenciamento das fontes hídricas, mais baratas e mais seguras. Uma campanha séria pela economia de energia com lâmpadas e equipamentos eletroeletrônicos que consumam menos pode trazer ganhos significativos. Um estudo da MB Associados e a Câmara Brasileira da Indústria de Energia indica que se o cronograma atual da oferta de gás se atrasar, pode faltar energia antes de 2010. É bom contar com essa hipótese e se preparar para ela.