Título: Obstáculos para a retomada da soja
Autor: Lopes, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 05/07/2007, Agronegócios, p. B14

Ainda que as perspectivas atuais apontem uma recuperação significativa da área plantada de soja no Brasil na safra 2007/08, é variado o cardápio de incógnitas capazes de frustrar previsões mais otimistas.

Como informou ontem o Valor, a intenção dos produtores de elevar a aposta no grão existe e foi detectada em junho por técnicos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), durante a coleta de informações para o último levantamento sobre os rumos da já encerrada safra 2006/07, divulgado na terça-feira.

Mas o plantio do ciclo 2008/09 só será iniciado em agosto no país - o Centro-Oeste costuma inaugurar os trabalhos -, e, de acordo com analistas, é difícil prever se os atraentes preços internacionais praticados no momento, motor para qualquer expansão, ainda estarão de pé até lá.

"A fotografia de hoje é promissora, mas há dúvidas. A principal delas é a cotação do petróleo e seus reflexos sobre biocombustíveis, fretes e insumos. Mas também há questões como o clima nos Estados Unidos e na América do Sul, a participação de fundos de investimento no mercado e o endividamento dos produtores do Centro-Oeste", afirma Antonio Sartori, da corretora gaúcha Brasoja.

Especialistas ouvidos pela agência Dow Jones Newswires condicionaram a recuperação do plantio de soja no Brasil a preços acima de US$ 9 o bushel em Chicago, desde que o dólar não caia abaixo de R$ 1,80.

Ontem a bolsa permaneceu fechada por causa do feriado de independência americano, mas na terça-feira os contratos para agosto voltaram a US$ 8,5575, maior nível em mais de três anos. O convidativo patamar foi alcançado com a divulgação, na sexta-feira, de relatório do Departamento de Agricultura dos EUA sobre a área de grãos no país.

No relatório, o órgão estimou a área de soja dos EUA em 25,9 milhões de hectares neste ciclo 2007/08 - as lavouras do país estão em desenvolvimento -, 15% menor que a apurada em 2006/07.

Como a atenção do mercado está no quadro de oferta e demanda americana e mundial em 2007/08, os prováveis efeitos dessa redução sobre produção e estoques elevaram os preços. E qualquer problema climático grave nos EUA nas próximas semanas podem alavancá-los ainda mais, desde que os fundos embarquem na eventual nova maré altista.

Mas, conforme Sartori, essa equação também tem de levar em conta o "fator milho" e sua estreita relação com as cotações da soja em Chicago.

Ele lembra que o bushel da soja costuma valer o dobro do bushel do milho na bolsa. Era mais ou menos assim no início do ano, quando o milho disparava em razão da febre do etanol nos EUA e levava de reboque a soja. Hoje, o bushel da soja está duas vezes e meia mais valorizado que o do milho. "E não é o milho que está baixo", afirma.

Renato Sayeg, da Tetras Corretora, diz não acreditar que os fundos aliviem sua presença em Chicago nos próximos meses, e por isso prevê cotações dos futuros da soja entre US$ 8,50 e US$ 9 no segundo semestre, desde que nenhum problema climático grave afete a oferta dos EUA e que os ventos também sejam favoráveis à próxima safra sul-americana.

Alguns traders americanos já disseram que, não fosse a massiva presença dos fundos, os preços atualmente estariam entre US$ 8 e US$ 8,30 em Chicago. Bem acima da média histórica, que tende a US$ 6, mas nível talvez insuficiente para garantir o aumento da área em algumas regiões do Brasil na safra 2007/08.

Sartori se recorda que fechou o primeiro negócio envolvendo a produção brasileira do ciclo 2006/07 em outubro do ano passado, por US$ 15 a saca de 60 quilos, no porto. Agora, está negociando a saca por US$ 18. "Nesse nível, fecham suas contas os produtores do Sul do Brasil, da Argentina e dos EUA. Mas e os do Centro-Oeste [brasileiro], que gastam mais com fretes e insumos?"

Das regiões produtoras de Mato Grosso aos portos do país o frete hoje alcança cerca de US$ 100 por tonelada, pelo menos três vezes mais que o custo no Sul. E a diferença também é sentida no transporte de insumos dos portos - boa parte é importada - para as lavouras.

E aqui está outro nó importante para a ampliação da área de soja no Brasil em 2007/08, já que o espaço para a retomada está sobretudo no Centro-Oeste, onde houve queda de 15,2%, para 9,1 milhões de hectares, de 2005/06 para 2006/07. Por conta desse tombo, a área nacional com o grão caiu 9,3% na mesma comparação, para 20,6 milhões de hectares, de acordo com dados da Conab.

Esta forte retração no Centro-Oeste, puxada pelo Mato Grosso (onde a baixa foi de 17,3%) foi amplificada pela interligação entre câmbio, alta de insumos e fretes e elevado nível de endividamento dos produtores, fatores que, sem exceção, seguem vivos e atuantes.

Em suas análises sobre o Brasil, o USDA projetou a produção de soja em 61 milhões de toneladas em 2007/08, ante 59 milhões em 2006/07. O órgão não divulgou a área plantada prevista, mas é de se esperar que a estimativa considere um avanço, porque o clima colaborou e a produtividade das lavouras brasileiras foi elevada no último ciclo - 2.812 quilos por hectare, 16,2% maior que na temporada anterior.

Portanto, dizem especialistas, se tudo der certo a soja de fato vai recuperar o espaço perdido, a produção vai aumentar e o Brasil voltará a liderar as exportações mundiais da soja. Mas são muitos os perigos na curva.