Título: Indefinição com meta eleva juro
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 05/07/2007, Finanças, p. C1

O mercado financeiro embutiu em junho uma inflação 0,5 ponto percentual maior nos juros pagos pelos papéis prefixados do Tesouro, aumentando o custo de rolagem da dívida. A alta do prêmio de risco inflacionário se explica, em parte, pelas incertezas na definição da meta de inflação de 2009 pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Analistas econômicos apontam também outras três razões: 1) o mercado vinha mantendo uma projeção excessivamente otimista para a inflação; 2) houve uma piora da inflação corrente; 3) o cenário internacional esteve um pouco mais volátil em junho.

Levantamento do economista Francisco Cintra, da Renascença DTVM, mostra que em junho a inflação implícita nos papéis federais subiu quase 0,5 ponto percentual, de 3,36% para 3,82%. Ele chega a essa conclusão ao comparar os juros pagos nas NTNs-B (papel do Tesouro com rendimento indexado ao IPCA) que vencem em agosto de 2010 com os juros dos contratos DI.

Outro método de estimar a inflação implicita é pela diferença entre os juros pagos pelas NTNs-F, um título público prefixado, e as NTNs-B. Cálculos de analistas mostram que, depois de cair a 3,2% em fins de maio, a inflação implícita subiu a 3,8% no fim de junho. Nesse caso, a diferença é um pouco maior do que 0,5 pp.

A alta na inflação embutida nos títulos ocorreu em um mês de intensa incerteza na definição da meta de inflação de 2009. Nesse período, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deu declarações públicas em defesa de uma meta mais alta, de 4,5%, em vez dos 4% defendidos pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

Também em junho o presidente Luiz Inácio da Silva adiantou, em entrevista ao Valor, que a meta seria de 4,5%. No fim do mês, esse percentual foi confirmado pelo CMN, em um anúncio considerado confuso pelo mercado. Ainda não sabe, oficialmente, qual será o percentual exato de inflação a ser perseguido pelo BC em 2009.

Cintra diz que a alta da inflação implícita nos papéis federais se deve a um conjunto de fatores, como a pressão na inflação corrente e a volatilidade internacional, mas ele destaca que a decisão do CMN teve um papel central.

"O governo estabeleceu uma meta maior acreditando que isso permitira cortes maiores de juros e uma expansão mais forte da economia", afirma. "É errado achar que aumentando a inflação a economia pode crescer mais. Está ocorrendo justamente o contrário: não só a inflação fica maior, mas se cria a expectativa de menos cortes na Selic."

Os juros futuros ficaram mais elevados, afetando, por exemplo, o crédito bancário e elevando o custo de oportunidade dos investimentos produtivos. Em vez de mais crescimento, a meta mais alta contém a expansão do PIB.

Outro efeito do aumento da inflação implicita será nos gastos com juros do governo. Hoje, 40,5% da dívida líquida do setor público é prefixada. Caso o prêmio inflacionário de 0,5 pp. se mantenha terá um impacto anual de até R$ 2,2 bilhões no pagamento de juros, conforme os títulos colocados em mercado forem substituídos por novos.

Sérgio Goldenstein, da Arx Capital Management, reconhece que a decisão do CMN teve um papel importante no aumento da inflação implícita nos títulos públicos. Mas ele pondera que há uma série de outros fatores por trás do movimento. Um deles é que, anteriormente, as expectativas inflacionárias haviam melhorado de forma exagerada, caindo de um patamar de 4% no começo do ano para 3,2% em maio. "O mercado ficou excessivamente otimista e era natural que parte desse otimismo fosse revertido", afirma. Ele lembra que, embora tenha subido, a inflação de 3,8% é relativamente baixa, já que é bem inferior à meta, de 4,5%.

Outro fator importante foi o efeito da volatilidade internacional em junho. Incertezas sobre o juro americano provocaram a saída de investidores estrangeiros, fazendo a curva de juros futuros subir. Mas a curva de juros das NTNs-B não subiu na mesma proporção porque as aplicações nesse papel são feitas por investidores com estratégias de longo prazo e, portanto, menos suscetíveis a movimentos de curto prazo nas taxas de juros.

A inflação implícita nos títulos públicos subiu também em virtude de indicadores mais negativos na inflação corrente. Goldenstein diz que os índices de preços estão sendo afetados por fatores pontuais, como a alta do leite. Embora transitórios, esses efeitos acabam afetando as projeções de prazos mais longos.

"As incertezas sobre na definição da meta pelo CMN contribuem para que a volatilidade de curto prazo contamine horizontes de projeção mais longos", afirma Goldenstein. "Mas as projeções tendem a recuar quando ficar claro que a pressão na inflação é apenas temporária."