Título: Para evitar apagão, governo raciona gás para indústria
Autor: Schüffner, Cláudia e Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 03/07/2007, Brasil, p. A4

O Brasil, o Uruguai e a Bolívia têm sido a salvação da Argentina nos últimos 12 meses em que o país vive forte restrição energética. Falta eletricidade, gás e diesel. Se não houve até agora um apagão generalizado maior que dez minutos nas residências, é porque o governo está cortando a energia e o gás das indústrias, obrigando a redução da atividade. Outra vítima do racionamento argentino foi o Chile, que passou a receber apenas 10% do gás que a Argentina exporta normalmente para o vizinho.

Em maio último, a Argentina importou volume recorde de eletricidade do Brasil, de 645 MW, e mais 520 MW do Uruguai. Na última reunião de presidentes do Mercosul, semana passada em Assunção, Paraguai, o presidente Néstor Kirchner manteve pelo menos três reuniões bilaterais para tratar do tema, uma com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, outra com o boliviano Evo Morales e outra com a presidente Michelle Bachelet, do Chile.

A conversa com Lula não foi divulgada. Com Morales, Kirchner acertou o envio de, no mínimo, 4,4 milhões de m³ e um máximo de 7,7 milhões de m³ diários de gás, segundo informações divulgadas pela delegação argentina. A importação do derivado captado na Bolívia estava ameaçada pela deficiente operação da estatal boliviana YPFB. A média de 6,3 milhões de m³ diários acertados anteriormente pelos dois governos, vinha caindo e nos dias mais frios , despencava. Na reunião de Assunção, Kirchner admitiu pela primeira vez que a Argentina vive uma crise energética e pediu aos demais presidentes para que trabalhassem em uma maior integração nesta área.

Ele aproveitou para mandar um recado para a Petrobras e as outras petroleiras que operam no país, das quais sempre se queixa porque investiriam menos do que deveriam na ampliação da produção.

Kirchner afirmou que os países não podem estar sujeitos aos "caprichos" dessas empresas, que estão "pouco a pouco esgotando a paciência dos governos".

Desde 2002, a Argentina mantêm artificialmente baixos os preços dos combustíveis, o que inibiu investimentos em toda a cadeia energética. Entre 1995 e 2000, a capacidade instalada de geração de energia da Argentina cresceu 6 GW ( 1.100 MW por ano), tendo caído a um terço nos anos seguintes, para 2 GW entre 2000 e 2005 (cerca de 300 MW/ano).

"Sem remuneração compatível, os investimentos na expansão das atividades de exploração e produção e no transporte de gás natural não cresceram, levando a gargalos no suprimento", afirma o economista Adriano Pires, do CBIE. A relação reserva provada/produção de petróleo da Argentina caiu de 13 para 8 anos entre 1986 e 2006. No gás, a relação reserva/produção caiu de 22 para 9 anos no período.

Outro efeito maléfico foi o aumento da participação de térmicas a óleo e diesel na matriz energética, em substituição ao gás. Em 2000, a participação das usinas a gás caiu de 52% para 50%, enquanto a participação das térmicas a óleo aumentou de 3% para 5%. (Colaborou Claudia Schuffner, do Rio)