Título: Lula atende Kirchner e país vai vender mais energia ao vizinho
Autor: Schüffner, Cláudia e Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 03/07/2007, Brasil, p. A4

O presidente Nestor Kirchner pediu ajuda ao Brasil, para aumentar de 700 para 1,1 mil megawatts (MW) as exportações diárias de energia do Brasil para o país vizinho para enfrentar o agravamento da crise energética na Argentina. O Brasil tem exportado, em média, 700 MW para o país vizinho - no último fim de semana, a maior parte da energia foi enviada pela estação conversora de Garabi II, na fronteira com a Argentina. A energia que tem sido entregue provém de diferentes térmicas.

O pedido foi feito pessoalmente durante a reunião de cúpula do Mercosul, sexta-feira passada, em Assunção, no Paraguai. De volta a Brasília, na mesma noite, Lula convocou ministros para uma reunião de emergência no Palácio do Planalto. Estiveram presentes Dilma Rousseff (Casa Civil), Celso Amorim (Relações Exteriores) e Nelson Hubner (Minas e Energia), além do assessor internacional, Marco Aurélio Garcia, e do diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman.

Várias possibilidades foram aventadas durante a reunião, mas esbarraram na "baixa margem de manobra" do governo brasileiro para socorrer o vizinho, segundo o relato de um dos presentes. Decidiu-se aumentar a exportação de energia, via Garabi, com base na geração de térmicas a óleo diesel e óleo combustível. Ambas são fontes mais caras, que vinham sendo usadas apenas em caso de emergência no Brasil. As providências para implementar o reforço no fornecimento já estão sendo tomadas.

Lula insistiu no caráter político da ajuda e encarregou uma missão, chefiada por Garcia, para negociar em Buenos Aires os detalhes do socorro energético. A missão foi composta pelo secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia, Ronaldo Schuck, e pelo superintendente de Regulação dos Serviços de Geração da Aneel, Rui Altieri, além do diretor da área de gás e energia da Petrobras, Ildo Sauer;

Desde o mês passado, a Argentina já recebe 700 MW médios do Brasil. No último fim de semana as termelétricas que estavam exportando energia eram Araucária (da Copel, que está alugada para a Petrobras), Jorge Lacerda e Charqueadas, ambas da Tractebel, e movidas a carvão. Uma fonte ouvida pelo Valor disse que para aumentar a exportação para 1,1 mil MW será necessário gerar caríssimas térmicas a diesel, algo inédito até agora no Brasil. Daí a presença da Petrobras na reunião, já que é a única que que tem térmicas bicombustível. Mesmo assim, os argentinos estariam dispostos a pagar qualquer preço, dada a gravidade da crise.

O aumento da exportação, se for possível, deve ser feita por meio das conversoras Garabi I e Garabi II, da Companhia de Interligação Energética (Cien), do grupo Endesa, que tem que têm 500 quilômetros de linhas linhas de transmissão ligando os dois países, chegando até Rincón de Santa Maria (na província de Corrientes), onde se conecta à rede de transmissão da hidrelétrica Yaciretá. Cada linha da Endesa (Garabi I e II) tem capacidade de transportar 1.100 MW de energia, em qualquer sentido.

O Valor apurou que a Argentina se comprometeu a pagar os custos dessa energia, que será gerada por térmicas mais caras e que não estejam sendo despachadas no Brasil por mérito de preço. Com isso, sobram as usinas movidas a óleo (inclusive diesel) e carvão.

Uma fonte também explicou que existe um acordo internacional entre os dois países estabelecendo que só pode ser exportada para a Argentina energia hidráulica que estiver sobrando e que seria vertida pelos reservatórios (ou seja, sobras) ou de térmicas que não estejam sendo utilizadas (gerando energia) em função do seu custo mais elevado em relação às demais. Com isso, se reserva energia mais barata para os consumidores brasileiros.

Embora muitos especialistas apontem o risco de um apagão nos próximos anos, o Brasil ainda tem energia suficiente - neste momento - para ajudar a Argentina. Na última sexta-feira, por exemplo, o sistema interligado nacional (SIN) produziu 50.925 MW médios. Portanto, a energia não fará falta imediata ao Brasil.

O governo também avalia a possibilidade de redirecionar à Argentina uma parte do gás adquirido da Bolívia. O contrato bilateral prevê a compra de até 30 milhões de metros cúbicos por dia - volume que o Brasil paga usando ou não a matéria-prima.

Na semana passada, a demanda diária alcançou 29 milhões de metros cúbicos. Ou seja, havia uma "folga" de apenas 1 milhão de metros cúbicos para reenvio à Argentina, por meio de dutos no Rio Grande do Sul. A questão é saber se o Brasil está disposto a abrir mão de uma parte do gás que consome internamente para atender a demanda argentina.

O drama do país vizinho é acentuado pelo inverno rigoroso deste ano. Até o fim de maio, a média de energia brasileira fornecida à Argentina era de 400 MW médios. A escassez de energia elétrica na Argentina é tão grave que o país reduziu drasticamente as remessas de gás natural para o Chile.