Título: Empresário pressiona Lula por abertura comercial
Autor: Olmos, Marli e Felício, Cesar
Fonte: Valor Econômico, 03/07/2007, Brasil, p. A5

Depois do fracasso da Rodada Doha, o governo começa a enfrentar as primeiras manifestações do setor industrial em defesa da abertura das fronteiras do país. O presidente da Scania na América do Sul, Michel de Lambert sustentou ontem, na festa de 50 anos da empresa no Brasil, o livre comércio, "sem barreiras", como forma de o país ser inserido na estratégia de uma empresa global como a Scania. Na sua vez de discursar, durante o mesmo evento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não apenas rebateu a idéia como apontou a inflexibilidade dos países ricos como razão do fracasso nos acordos de comércio internacional.

No palco armado pela montadora de caminhões no meio do pátio da fábrica, Lula enalteceu "a coragem do Brasil de não ceder aos interesses das economias desenvolvidas". A uma platéia que misturou políticos, empresários e operários, o presidente da República criticou os subsídios agrícolas que Estados Unidos e Europa insistem em manter. "Os Estados Unidos queriam US$ 17 bilhões de subsídios", carregando no tom nacionalista da sua defesa da posição brasileira em Doha.

" Fizemos questão de dizer que havia acabado o período da subserviência. E o mundo precisa aprender que o Brasil resolveu assumir sua grandeza." Antes dele, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, também disse que o Brasil não poderia abrir as fronteiras para produtos industriais porque "os países ricos não abrem para a nossa agricultura".

Lula frisou que a nova posição do país no comércio internacional só pôde ser exercida com a estabilização econômica, em relação à qual o regime cambial seria um dos pilares. O presidente foi enfático ao descartar qualquer mudança. "Falam do câmbio como se o presidente pudesse inventar um número mágico. Se o câmbio flutuante não flutuasse, teria que existir um regime com taxas diferenciadas e essa possibilidade não existe", afirmou Lula, lembrando que o real não está se valorizando face ao euro.

"O problema do câmbio é decorrente de um problema de déficit fiscal dos Estados Unidos, que eles precisam resolver", comentou, prometendo em seguida agir para que o real não se desvalorize. "Quando o dólar subir, sobe a inflação e aí cai o poder aquisitivo do trabalhador. Isto nós não vamos permitir", disse.

Nos bastidores, no fim do evento, Lambert, que é francês, disse ao presidente da República lamentar que a maior resistência ao fim dos subsídios agrícolas venham justamente do seu país de origem, a França.

"Mas quem não se abrir estará morto", disse, mais tarde o presidente da Scania ao Valor. Lambert explicou que entende as razões do governo brasileiro. Revelou, ainda, ter se decepcionado com o resultado da Rodada Doha. Para o executivo, cabe também ao Brasil levar em conta que os Estados Unidos são um país forte.

A abertura que o presidente da Scania defende é gradual. Já no seu discurso, um recado ao governo, o executivo defendeu que a abertura comercial deveria ser "passo a passo, sem ingenuidade". "O Brasil tem capacidade para abastecer outros mercados se estiver preparado para, pouco a pouco, ter um ambiente aberto e competitivo", disse.

A filial brasileira da montadora sueca, cujo comando Lambert assumiu há pouco mais de um ano, exporta nada menos do que 70% do que produz em São Bernardo do Campo, a mesma fábrica em que ocorreu a primeira greve dos metalúrgicos depois do regime militar, em maio de 1978.

O atual vigor no mercado interno e no externo levará a montadora a ultrapassar este ano sua capacidade total de produção anual, que é de 20 mil veículos (caminhões pesados e ônibus). "A demanda está aquecida em todo o mundo", afirma o presidente da Scania, que precisa hoje atender a filas de espera mais longas que o habitual para entregar um caminhão no mercado interno. O atual momento da indústria automobilística foi citado pelo presidente. "Já faz algum tempo que não vejo a indústria automobilística reclamar de crise. Quem me procurou no ano passado para dizer que ia demitir seiscentos, contratou novecentos", afirmou.

A fábrica da Scania em São Bernardo do Campo recebeu investimentos, na virada da década, para dobrar a capacidade produtiva e, assim, se transformar em uma plataforma de exportação. Atende hoje 50 países, principalmente os emergentes, como os do Oriente Médio e África, onde rodam veículos com especificações semelhantes às da linha produzida no Brasil.

O maior cliente da Scania do Brasil hoje, a Rússia, já compra volume equivalente à metade do que a montadora venderá este ano no mercado interno (7 mil unidades). Segundo Lambert, em mais ou menos um ano, as vendas da Scania na Rússia somarão volumes superiores às do Brasil. A partir daí o país precisará ser abastecido por mais de uma filial da marca sueca. A Scania tem mais de 90% das vendas mundiais espalhadas em mercados fora da Suécia.