Título: Mais uma vez, a cúpula do Mercosul ressalta desavenças
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/07/2007, Opinião, p. A14

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou à 33ª Cúpula de Presidentes do Mercosul, em Assunção, com idéias corretas, embora tardias. "Agora, mais do que nunca", disse Lula, "devemos aprofundar a parceria com outros países e blocos". Com o fracasso de Doha, não sobra ao Brasil seguir outro rumo que o que aquele para o qual já deveria ter tentado antes, o dos acordos comerciais paralelos, como fizeram com ênfase, no continente, México e Chile, sem contar os Estados Unidos. Os outros sócios do Mercosul, com exceção de Hugo Chávez, que se encontrava na Rússia arrematando submarinos para deter eventuais invasões americanas, se comportam mais como parte do problema do que da solução. A preocupação de Lula pressupõe uma afinação cada vez maior dos membros do Mercosul, afinação esta ainda distante, como cada cúpula indica.

Às vésperas da chegada em Assunção de Lula, que trazia a determinação de resolver contenciosos do comércio fronteiriço com o Paraguai, o governo do país anfitrião sepultou ao menos provisoriamente a aspiração do Brasil de elevar tarifas de importação de calçados e confecções de 20% para 35% e mudar a forma de cálculo da taxação. O Uruguai deu sua concordância ao veto, que agora terá de ser negociado pelo Itamaraty e por empresários dos quatro países. Os uruguaios se insurgiram contra a medida por motivos óbvios - já estimulados pelo governo a ganhar competitividade, esses dois setores, com a proteção extra pedida, teriam para si uma defesa excessiva.

Os sócios menores do Mercosul têm sido fonte constante de divergências. O Uruguai chegou a cogitar um acordo paralelo com os Estados Unidos e o Paraguai sente-se prejudicado com a intensa fiscalização da Receita Federal contra o contrabando e a sonegação de impostos na Tríplice Fronteira. A saída apresentada pelo governo brasileiro aos paraguaios foi a criação de um Simples dos sacoleiros, com formalização de empresas, simplificação e alíquota única de importação de 25% para quem faturar até R$ 240 mil por ano. Tenta-se pôr um esparadrapo na ferida principal, que é o abrigo formal ou informal dado pelo governo vizinho à falsificação, contrabando de produtos e evasão de divisas.

Para retirar o Paraguai da situação de entreposto comercial, o Mercosul concedera ao país um percentual de conteúdo regional menor, que seria gradativamente aumentado. Essa flexibilidade, porém, foi agora novamente estendida: as regras de origem foram adaptadas para beneficiar o Paraguai até 2022. Provavelmente, esta tenha sido a contrapartida à aprovação do prazo - 2009 - para que a cobrança dupla da Tarifa Externa Comum de produtos importados e de fora do bloco seja eliminada. Essas receitas são mais relevantes no caso do Paraguai do que dos outros sócios.

Institucionalmente, esta talvez tenha sido a mais importante decisão da cúpula. A redução das assimetrias foi jogada para a frente, após ser aprovada a criação de um fundo para estimular as pequenas e médias empresas do Mercosul. Das reuniões resultou pouca coisa de fundamental, tanto para o mal quanto para o bem. Evo Morales, presidente da Bolívia, voltou a criticar a campanha brasileira pelo biocombustível, qualificando-a de "entusiasmo nocivo".

Pairava sobre as discussões os efeitos da forte pressão das empresas brasileiras para que se detenha a entrada da Venezuela no Mercosul - politicamente temerária, economicamente indefinida. Chávez não estava presente, mas seus representantes não se cansaram de acusar as forças da direita pela iniciativa. Mas o presidente venezuelano já anda desacostumado do convívio com oposições e sua intempestividade pode até fazer mais pelo Mercosul do que o lobby das empresas do Brasil. Em Teerã, Chávez disse que "se não podemos entrar no Mercosul porque a direita brasileira tem mais força, então nos retiramos". Mais significativo: "Eu sou inclusive capaz de retirar o pedido (de adesão)." Sem Doha, o Mercosul terá de selecionar melhor os seus parceiros e uniformizar suas posições sobre o que pretende para si e para acordos comerciais. O entendimento dentro do bloco continua bastante insatisfatório, o que mina a sua própria construção institucional. Desse jeito, é muito difícil negociar com outros países.