Título: Disputas levantam dúvidas sobre laudos
Autor: Valenti, Graziella
Fonte: Valor Econômico, 03/07/2007, Empresas, p. B3

Há empresas para todos os gostos, tamanhos e bolsos. Na indústria de laudos de avaliação, também paga-se caro pela grife, embora a oferta seja democrática. Nas operações de compras de ações arquivadas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) neste ano, os preços dos serviços prestados pelos avaliadores variam de R$ 15,4 mil a US$ 4 milhões. O investimento numa grande assinatura, porém, não garante que os números serão aceitos pelos minoritários. As avaliações estão na berlinda e, cada vez mais, são o ponto nervoso das disputas societárias.

Trata-se de um mercado disputado entre auditorias, empresas especializadas em consultoria financeira de toda sorte e bancos. Laudo nada mais é do que um documento em que uma instituição independente apresenta a avaliação de preços de um negócio. Em alguns casos, as regras de mercado obrigam sua contratação. Já em outros, visa apenas agregar credibilidade e argumentos a uma transação.

Apesar da finalidade do laudo ser justificar racionalmente as condições de uma operação, as polêmicas em torno desse documento são crescentes. "Os laudos andam capengas", critica Edison Garcia, superintendente da Associação Nacional dos Investidores do Mercado de Capitais (Amec). "Precisamos começar a pensar em como sanar a grande carga de subjetividade que há nessas análises." Na opinião do advogado Marcos Rafael Flesch, do escritório Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesch, o aumento do questionamento em torno dessas avaliações reflete a presença de um investidor mais ativo no Brasil.

As críticas dos minoritários aumentaram ainda mais depois de um inquérito administrativo da CVM ter encontrado o que entendeu por um desvio de R$ 1,2 bilhão na avaliação da empresa celular Oi, realizada pela Ernst & Young para a polêmica transferência da empresa dentro do próprio grupo, da holding para a operadora, em maio de 2003. No começo deste ano, a autarquia decidiu abrir um processo administrativo contra os envolvidos na operação.

Potenciais problemas no laudo também foram o ponto de partida das discussões na incorporação da Trikem pela Braskem. A CVM também neste ano decidiu que conduzirá os envolvidos a julgamento.

A instrução da CVM 361, que regula as ofertas de aquisição de ações, padroniza também os laudos exigidos para essas operações. Ela informa desde o formato que deve ser adotado para tais documentos, como o conteúdo mínimo e os dados necessários para indicar a qualidade do estudo. Porém, não há regras sobre a profundidade e a substância das análises. Garcia, da Amec, acredita que, dada a quantidade de problemas, talvez seja o momento de discutir o assunto, bem como dar mais atenção para a responsabilidade do avaliador.

Com a formação de um histórico de laudos problemáticos, a despeito das regras da CVM, os minoritários sentiram-se mais confortáveis para levantar dúvidas na análise da Trafo e também do grupo Ipiranga. Ambos os assuntos já estão em debate e foram alvos de que queixa encaminhada à CVM. A avaliação da Trafo foi realizada pela Ernst & Young, por R$ 15,4 mil, enquanto que a análise do grupo Ipiranga e da Ultrapar, feita pelo Deutsche Bank, custou US$ 3 milhões. Em ambas, além de pontos específicos de cada um dos setores, há duras críticas quanto à falta de explicações e justificativas para as premissas utilizadas.

O analista da Fama Investimentos Rodrigo Sancovsky, que estudou a avaliação da Trafo para uma reclamação na CVM, destaca que todas as premissas de um laudo têm obrigação de serem bem explicadas e justificadas. O ideal é trazer dados e relatórios de mercado que validem o cenário usado.

Para Guillermo Braunbeck, da consultoria contábil e financeira Hirashima & Associados, essa discussão será eterna, pois a contabilidade incorpora cada vez mais subjetividade. "Esse debate nunca acabará. Não consigo ver preto e branco nessa discussão, só cinza", afirma ele, a respeito da diversas interpretações que podem existir sobre uma mesma avaliação. Entretanto, alerta: "é preciso praticar um subjetivismo responsável."

Cláudio Ramos, sócio de finanças corporativas da KPMG, afirma que é relevante utilizar comparações com a maior riqueza de detalhes possível, como dados históricos da empresa avaliada e também com companhias do mesmo setor em questão. "É importante que o avaliador tenha conhecimento suficiente para a tarefa." Além disso, o resultado do documento não pode favorecer nenhum dos lados de uma operação, quando tiver finalidade societária - nem minoritários e nem controladores. "Esta é a base da visão desse negócio."

Os laudos utilizados na maior parte das transações tomam como base para as projeções as estimativas da própria empresa avaliada. Ou seja, as premissas sobre o negócio não são do avaliador. A instituição que produz o documento não tem obrigação de realizar auditoria na companhia. Logo no começo da apresentação dos avaliadores, as regras exigem que essas informações sejam fornecidas. Tal relato é útil para os investidores avaliarem a qualidade do laudo como ferramenta, bem como para os avaliadores se eximirem de algumas responsabilidades. Esse objetivo, porém, não depende da fonte de informação utilizada.

O advogado Marcos Rafael Flesh explica que as responsabilidades e os deveres da instituição que produz o laudo dependem do uso do documento. Quando é obrigatório para balizar operações societárias as responsabilidades são maiores do que quando servem apenas de parâmetro adicional para conclusão de um negócio ou sua apresentação aos acionistas. Para Marcos Duarte, sócio da gestora de recursos Pólo Capital, uma das mais ativas nas disputas com controladores, os avaliadores devem ser alvo das reclamações levadas à CVM, tanto quanto os demais responsáveis por uma operação prejudicial ao mercado por suas condições.

O advogado Stephen Wade Angus, do escritório americano Weil Gotshal & Manges, explica que a discussão entre sócios majoritários e minoritários a respeito de valores é global. Para ele, o aumento na freqüência desse debate deve-se, especialmente, ao aquecimento das fusões e aquisições, dada a grande liquidez internacional que acelerou os negócios.

Nos Estados Unidos, segundo o advogado, tal movimento tem relação com as aquisições realizadas pelos fundos de participação (private equity). Com a grande quantidade de recursos disponível, tais fundos estão fazendo aquisições pagas em dinheiro - algo que naquele mercado nem sempre acontece, pois boa parte dos negócios é feita com troca de ações. Embora haja discussões e disputadas na SEC, órgão regulador do mercado de capitais nos EUA, Angus destaca que os avaliadores não são apontados como responsáveis pelas queixas, pois os laudos lá são utilizados como uma opinião adicional, mas a responsabilidade de uma transação é dos conselheiros que a aprovam.