Título: O uso da arbitragem internacional no Brasil
Autor: Sarmento, Antonio Bastos A.
Fonte: Valor Econômico, 02/07/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Enquanto a lei brasileira progride na determinação de tornar a arbitragem um procedimento comum de solução de conflitos, um número cada vez maior de empresas se mostra relutante em aceitar a condução de arbitragens no exterior ou de submeter o processo à administração de centros estrangeiros famosos como a Câmara de Comércio Internacional (CCI), Associação Americana de Arbitragem (AAA) ou Corte Internacional de Arbitragem de Londres (LCIA). Este é o sentimento que prevalece entre pequenas e médias empresas, e até entre algumas de maior porte, sobretudo as submetidas a variados graus de controle pelo poder público, as quais exercem uma crescente pressão sobre seus contratados para aceitar a localização do painel arbitral no Brasil e para designar organizações administradoras nacionais para conduzir a gestão do processo.

Não seja esta preferência confundida com a revelação de algum preconceito oculto contra os árbitros estrangeiros ou com outra forma de xenofobia, mas os elevados custos cobrados pelas entidades internacionais tradicionalmente estabelecidas no setor freqüentemente assombram as companhias cujos orçamentos mostram mais acentuada severidade ou são submetidas a extensos e pouco flexíveis controles externos pela administração pública, mesmo aquelas não destacadas por manifestações de excesso de zelo pelo nebuloso "conteúdo local".

Apesar de todos os senões, o sistema arbitral despertou um curioso interesse de empresas locais novatas no mercado internacional, assim como se apresenta às empresas de maior vulto - algumas delas consolidadas no mundo dos negócios transnacionais - como uma forma de projetar uma imagem cosmopolita, sofisticada, sem dúvida capaz de situá-las em um sistema legal cujas práticas sejam consideradas proativas nos manuais de "doing business".

O sistema legal brasileiro, de modo lento, injustificadamente tímido, porém seguro, vem incorporando ao "corpus juris civilis" uma significativa parte do aparato global tornado rotineiro desde muito tempo no campo da solução de disputas decorrentes das transações produzidas pelo embate de interesses entre agentes de nacionalidades diferenciadas.

A aprovação da Lei nº 9.307, de 1996, não trouxe quaisquer surpresas, pois os círculos jurídicos familiares com os negócios internacionais já se haviam imbuído das sutilezas do direito anglo-saxão, dedicado desde longo tempo a construir a práxis do processo arbitral. Nada novo, pois, para quem, iniciado na seleta fraternidade de LLMs e PhDs oriundos da Ivy League, ao deixar sua alma mater, adentrou os sagrados umbrais de Themis nos primórdios do ciclo das privatizações, guiado pelo justo desejo de participar da bonança vislumbrada no horizonte.

Visando a entronização de procedimentos destinados a favorecer a celeridade do sistema arbitral, a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, em vigor desde 31 de dezembro de 2004, transferiu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a autoridade do Supremo Tribunal Federal (STF) para ratificar e dar executoriedade às sentenças arbitrais passadas no exterior. A Lei nº 9.307, entretanto, abriu opção para obviar esse último entrave, bastando a vontade dos interessados em fazer deslocar a decisão final dos árbitros para o território pátrio.

Porém, o maior obstáculo à arbitragem internacional em relação às empresas do setor público tem sido o conceito, arraigado no Tribunal de Contas da União (TCU), segundo o qual o interesse público não se coaduna com a classificação dos negócios dessas empresas como "direitos patrimoniais disponíveis", colocando-as fora de cogitação como partes suscetíveis de adotar a arbitragem em seus contratos.

Esta restrição, porém, tem sido de modo crescente afastada pelos juristas, o STJ já havendo decidido estarem as companhias estatais dedicadas à exploração de atividades econômicas incluídas nas categorias previstas no artigo 173 da Constituição, sujeitas aos mesmos princípios do direito privado. Também tem sido constante a conclusão no sentido de retirar da maioria das manifestações do Estado empresário a crença infundada de sua caracterização intrínseca como serviços públicos, e, ainda, diante da possibilidade cada vez mais freqüente da execução dos mesmos através de veículos privados.

Em favor da admissibilidade da arbitragem nos negócios com o setor governamental, as inovações introduzidas na Lei nº 9.307, de 1996, e, mais recentemente, na Lei nº 11.079, de 2004 - a Lei das Parcerias Público-Privadas (PPPs) -, deram um passo definitivo em direção à generalização da solução de disputas por meios alternativos, ao manifestar a expressa preferência pela arbitragem dos eventuais conflitos na execução dos contratos de PPP entre partes privadas e o poder público.

Os empresários e investidores estrangeiros em atividade no mercado doméstico junto a empresas privadas e entidades públicas brasileiras, no entanto, já podem adotar uma atitude mais confiante nas garantias de respeito ao cumprimento dos contratos, diante das mudanças imprimidas pela Lei nº 9.307, vencida a obsolescência das cláusulas do Código Civil de 1916, tidas como infensas ao sistema arbitral, por submeterem as decisões pertinentes ao crivo posterior da Justiça comum. Embora houvesse tardado, o Decreto Legislativo nº 52 e o Decreto nº 4.311, ambos de 2002, colocaram a pauta da arbitragem no Brasil em dia com a Convenção de Nova York de 1958 para o reconhecimento e execução das decisões arbitrais estrangeiras.

As companhias estrangeiras estão, assim, recebendo um forte incentivo para ter razoáveis expectativas de sucesso diante de questionamentos contra as cláusulas de arbitragem em contratos com entidades domiciliadas no Brasil, seja em relação a empresas sob controle governamental ou de direito privado. Essas argüições, bastante enfraquecidas, já não mais serão sustentadas pelos tribunais, caso a plena exeqüibilidade destas cláusulas ainda venha a ser desafiada no Judiciário.

Antonio Bastos A. Sarmento é advogado e sócio do escritório Tauil, Chequer e Mello Advogados

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