Título: BC pronto para agir
Autor: Nunes, Vicente ; Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 06/01/2011, Economia, p. 16

Depois de ouvir propostas de Mantega e de se aconselhar com Palocci, Dilma autoriza o Banco Central a agir mais pesado para conter a supervalorização do real frente ao dólar. Entre as possíveis medidas a serem anunciadas hoje está o controle de capitais

Diante da enorme pressão do setor produtivo, reproduzida no governo pelo ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, a presidente Dilma Rousseff bateu ontem o martelo e o Banco Central deverá anunciar, ainda hoje, mais medidas para conter a supervalorização do real frente ao dólar. A decisão de agir agora, antes que o derretimento da moeda norte-americana provoque mais estragos nas contas externas do país, reduzindo as exportações, foi fechada em uma longa reunião de Dilma com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Uma das possíveis ações listadas pelo governo é o controle na entrada e na saída de recursos estrangeiros do país, a chamada quarentena.

Antes de dar o aval para as medidas na área cambial, Dilma conversou com o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. O intuito foi evitar ¿loucuras¿ que possam, mais à frente, trazer danos maiores à economia do que os ganhos de curto prazo. Palocci é visto como referência pelos investidores, tanto no país quanto no exterior. Também ficou acertado que todas as ações terão caráter temporário, até que a guerra cambial que atormenta o mundo se amenize. ¿O governo fará correções de rota, como fez o Chile nesta semana, ao anunciar uma forte intervenção no mercado de câmbio para conter o excesso de valorização do peso¿, disse um dos assessores mais próximos de Dilma.

Segundo ele, o Palácio do Planalto considerou positivo o comportamento do dólar ontem, que encerrou as negociações em alta de 0,66%, a segunda seguida, cotado a R$ 1,675. ¿Mas sabemos que é pouco, pois, abaixo de R$ 1,70, as nossas exportações ficam muito prejudicadas, o setor produtivo perde¿, destacou o mesmo assessor. Para ele, não deverá haver surpresas no mercado, se confirmada uma intervenção mais pesada no câmbio, como o controle do fluxo de capitais. Esse tipo de medida já foi avalizado pelo G-20, o grupo que inclui as 19 nações mais ricas do mundo e a União Europeia.

Juros altos A avaliação dentro do governo é de que as ações já tomadas pelo Ministério da Fazenda, como o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para 6%, incidente sobre os dólares que circulam no país, e a forte presença do BC comprando as sobras de recursos ¿ foram US$ 41,4 bilhões somente em 2010 ¿ evitaram que a cotação da moeda norte-americana caísse para R$ 1,50. ¿Mas, diante da guerra cambial que existe no mundo, com cada país desvalorizando a sua moeda para ganhar espaço no comércio internacional, o Brasil precisa ser mais incisivo¿, destacou um técnico da Fazenda.

Há, ainda, a possibilidade de o BC agir para reduzir as apostas dos bancos e dos estrangeiros na queda do dólar. Essas apostas são feitas nos mercados futuro e à vista de câmbio e passam de US$ 15 bilhões. ¿Não duvidem se o BC exigir mais capital do sistema financeiro para bancar tais operações. Já se aumentou o IOF nas transações fechadas na BM&FBovespa, mas a guerra contra o dólar continua elevadíssima¿, frisou um assessor do Planalto.

Ele lembrou que o governo brasileiro sabe que, mesmo mais duras, as intervenções do câmbio dependem do contexto mundial para ter efeitos mais rápidos. Não à toa, é grande a torcida para que a economia dos Estados Unidos recupere o fôlego logo. Assim, o Federal Reserve (Fed), o BC norte-americano, poderá aumentar as taxas de juros, que hoje estão próximas de zero, voltando a atrair capitais para aquele país.

As economias emergentes, entre elas o Brasil, têm recebido muito investimento especulativo devido ao diferencial de juros ¿ a taxa básica brasileira, por sinal, deverá passar de 10,75% para 11,25% no próximo 19 de janeiro, para tentar conter a inflação. Os investidores pegam dinheiro emprestado nas economias ricas, onde os juros são baixíssimos, e aplicam no Brasil, ganhando duas vezes: primeiro, com as taxas elevadas; segundo, quando retiram o dinheiro do país se aproveitam das cotações mais baixas do que quando entraram. ¿O governo não pode ficar impassível, inerte, em relação a essa situação. O momento de agir é agora¿, disse um funcionário do BC. ¿Nesse contexto, é importante que o Ministério da Fazenda também contenha os gastos, para que a inflação caia e o BC possa voltar a reduzir a taxa Selic¿, complementou.

EUA e China discutem moeda O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, discutirá questões econômicas globais e a valorização da moeda chinesa com o presidente da China, Hu Jintao, em Washington. ¿A China tem um papel extremamente importante na economia global e deve tomar medidas para reequilibrar a sua divisa. O presidente continuará reiterando isso durante a visita do presidente Hu Jintao¿, disse o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs. A conversa entre os líderes dos dois países que protagonizam a guerra cambial está marcada para o fim deste mês.

Compras de US$ 41,4 bi O Banco Central atuou agressivamente para conter o derretimento do dólar em 2010. Comprou os US$ 24,3 bilhões que ingressaram no país e mais US$ 17,1 bilhões de instituições financeiras. Ao todo, retirou US$ 41,4 bilhões de circulação do mercado ¿ volume 72% superior às aquisições de 2009. Apesar de todo o esforço, a empreitada não teve sucesso: a moeda norte-americana encerrou o ano passado com desvalorização de 4,4%, cotada a R$ 1,666, o que evidenciou a dificuldade do governo de encontrar defesa em meio à guerra cambial. A preocupação da presidente Dilma Rousseff é tanta que Alexandre Tombini mal assumiu o comando da política monetária e está realizando dois leilões de compras diários para reduzir a liquidez do mercado.

Com as aquisições do BC no ano passado, as reservas internacionais do país alcançaram US$ 288,5 bilhões ¿ volume 20,9% maior do que o verificado no fim de 2009. ¿Em termos anuais, foi a atuação mais forte que já houve¿, afirmou Silvio Campos Neto, economista-chefe do Banco Schahin. ¿O BC está fazendo o papel que lhe é esperado. Atua nos momentos certos para enxugar o excesso de dólares em circulação no mercado. A moeda em curso no Brasil é o real¿, ponderou Jankiel Santos, economista-chefe do Espírito Santo Investiment Bank.

Em todo o governo Luiz Inácio Lula da Silva, US$ 202,7 bilhões ingressaram no país. Na gestão de Fernando Henrique Cardoso a situação foi inversa: houve fuga de US$ 26,2 bilhões. Na avaliação de especialistas, de lá para cá, o Brasil tornou-se uma economia sólida, estável e, depois da crise financeira mundial de 2008 ¿ que ainda exerce efeitos negativos sobre economias maduras ¿, transformou-se em um local de boas oportunidades para investimentos e ganhos.

De todos os recursos que ingressaram no Brasil em 2010, a maioria veio pelo setor financeiro. A diferença entre as remessas para o exterior e a entrada de recursos deixou um saldo de US$ 26 bilhões ¿ maior cifra desde 1982, quando o autoridade monetária passou a levantar esses dados. ¿Esses recursos só dão respaldo para as perspectivas positivas de uma dinâmica favorável para a economia brasileira¿, avaliou Santos. (VM)