Título: Inconformismo domina platéia alckmista em escola de elite
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 02/07/2007, Política, p. A8

"Se todo o diagnóstico está aí, qual o monstro que impede o país de sair do buraco? Por que os políticos sempre têm o diagnóstico para tudo e não conseguem solucionar nada?" Destinada ao ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), a pergunta em tom indignado não teve resposta.

A reação imediata, além de um constrangido rubor na face do questionado, provoca risos na platéia. Por R$ 300 a cabeça, 70 pessoas participaram, na semana passada, do curso "Eleição e gestão pública", que o tucano proferiu por três dias na Casa do Saber, instituição privada que, segundo seu site, é um "centro de debates e disseminação do conhecimento que oferece acesso à cultura de forma clara e envolvente". Além dos 70 frequentadores inscritos, havia ainda os chamados "paidéias" que têm acesso livre a qualquer curso da casa, a um custo semestral de R$ 4 mil.

A interpelante de Alckmin, a dona-de-casa Maria Aparecida Ribeiro, 69 anos, auto declara-se anti-Lula. "Todos sentimos o odor desse monstro. É a veia da máquina pública aliada aos políticos. O diagnóstico todo mundo sabe, mas será que interessa a eles combater?", diz ao final da primeira aula. A rejeição ao presidente é o traço forte e comum que une os colegas dessa senhora, tanto quanto o rechaço ao eleitorado do presidente, tido, em uma das tantas perguntas feitas durante as palestras, como "insensível à verdade".

"Se o povo tem sensibilidade, por que não houve coragem de dizer certas verdades nas eleições? O povo não tem coragem para entender uma mensagem verdadeira?", questiona um deles. Era a reação a uma afirmação de Alckmin de crença "no julgamento popular e num povo que erra menos do que as elites".

O tucano explica as razões que julgava terem-no derrotado em 2006. Aponta a força do Bolsa-Família e a dificuldade de se enfrentar um governo e uma máquina pública que tenta a reeleição. E à personalidade do presidente: "Lula é um candidato carismático, o brasileiro mais conhecido dos últimos tempos, tem uma história bonita de vida, um partido organizado e estruturado".

Ainda assim, a sensação compartilhada ali era de que se havia um culpado por sua eleição, era o povo. É o que diz, por exemplo, o advogado Germano Parenti, 73, ferrenho alckmista. "Não culpo o Lula pela vitória, culpo os eleitores do Lula. Dar preferência a ele foi um descalabro", afirma, para, em seguida, atacar. "Lula não está a nível do cargo. Até o Vicentinho (Paulo da Silva) e o (Luiz Antônio) Medeiros fizeram curso. O Lula não fez nem de corte e costura e decoração de bolo."

Após uma hora de aula, segue-se um intervalo de dez minutos, que acabam sendo quinze. Neste interregno, são servidas à vontade garrafas do vinho chileno Trio Concha y Toro (R$ 38 a garrafa), elaborado com o corte de três uvas: Cabernet Sauvignon, Shiraz e Cabernet Franc.

A degustação, segundo o próprio curador da Casa na apresentação do curso, torna o segundo tempo da aula mais agradável. O professor não bebe. Conversa com os alunos, e, a pedido de um deles, autografa o livro "Geraldo Alckmin: o menino, o homem, o político", de Acir Filló.

O inconformismo com o resultado de 2006 é generalizado entre os alunos. "Sou inconformada por ele (Alckmin) ter perdido a eleição e o país ser governado pelo Lula. Entendo pouco de política, mas sinto que não tenho voz, não tenho corpo no país. Temos um presidente que não fala nossa língua. Há uma minoria ética no país que não sabe como fazer para realizar as mudanças. Como fazer mudanças estruturais, se o povo não entende o que são essas mudanças estruturais?", afirma a médica Roberta Grabert, 42 anos.

Nos três dias de aula, Alckmin, embora pontual, entrou quase imperceptível na sala de aula. No primeiro dia, acompanhado do curador, fez-se silêncio à sua entrada. No segundo, o burburinho foi interrompido pelo próprio professor, que, do seu espaço poucos centímetros superior ao dos alunos, deu três "boa noite" até que o silêncio reinasse. No terceiro, o barulho parou com discretos "shhh", semelhante ao dirigido aos falantes durante as sessões de cinema.

As aulas se dividiram em três partes: eleições, em que o palestrante dissertou sobre a disputa de 2006; economia, onde mostrou dados sobre a situação do Brasil e do Estado de São Paulo; e internacional, em que traçou panoramas do cenário de geopolítica mundial. As perguntas, porém, - geralmente feitas após o intervalo - eram sobre temas variados.

Em um dos dias, a observação de um aluno causou certo desconforto. O administrador de empresas e funcionário do governo paulista Murilo Lemos, 29 anos, disse ter participado, no mesmo local, da aula única sobre desigualdade dada pelo professor Luiz Gonzaga Beluzzo, dentro do curso "Grandes Problemas do Brasil". O relato é dele: "De todo o curso, foi a aula que teve menos pessoas. Acho que porque incomoda". O ex-governador mantém a postura e diz que se trata de um tema importante e que, para reduzi-lo, é preciso gerar empregos. Complementa: "Emprego quem gera não é o governo, são os empreendedores. O governo é complementar. Depois vem a educação e a universalização do ensino. Aí vem o segundo passo, que é a qualidade nas escolas."

Um aluno pergunta sobre a avaliação da imprensa. Alckmin diz não haver nada como a imprensa livre, mas critica o excesso de concessões de rádio e TV. Diz que muitos são eleitos por conta dessas concessões. E concluiu com uma frase de Ulysses Guimarães, citando o filósofo alemão Johan Goethe: "Mais difícil que matar o monstro é eliminar seus destroços". Ainda sem a resposta, a senhora Maria Aparecida Ribeiro interrompe em alta voz bruscamente: "Mas eu quero saber quem é o monstro"! No final do curso, ela não estava entre os cerca de 15 alunos que tiravam fotos ao lado do professor.