Título: Os equívocos da meta de inflação para 2009
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/07/2007, Opinião, p. A14

O regime de metas de inflação já atingiu certo grau de maturidade no Brasil, permitindo que a economia sobrevivesse a períodos de turbulência, como o apagão do setor elétrico, o estouro da bolha da Nasdaq e a crise das eleições presidenciais de 2002. Não se espera, portanto, que a confusa definição da meta de inflação de 2009 pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) vá produzir danos permanentes ao regime. Mas houve, sem dúvida, um arranhão desnecessário.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, queria uma meta de 4,5%. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, advogavam 4%. A decisão final, arbitrada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi estabelecer algo no meio do caminho. O resultado ficou pior do que se tivesse escolhido uma das posições.

Ao defender meta de 4,5%, Mantega insinua a crença de que mais inflação gera mais crescimento. Trata-se de um equívoco. Mas vá lá: com meta mais elevada, ao menos o presidente Lula poderia colher dividendos entre o eleitorado mais à esquerda, que demoniza a política monetária.

A escolha, porém, foi por uma meta de 4,5%, mas com a indicação de que o BC irá perseguir um objetivo menor do que isso. Há sinais de que será 4%, mas, como o BC não se pronunciou claramente sobre as suas intenções, poderá ser algum outro percentual. O país terá, portanto, duas metas paralelas, o que significa que a economia irá conviver com a incerteza sobre o real objetivo da política monetária.

A incerteza significa mais riscos, que se traduzem em um prêmio maior na taxa de juros. Os contratos DI subiram, com duas consequências perversas. Primeiro, o Tesouro passa a pagar mais caro para rolar a dívida pública. Segundo, os juros se inclinam para cima, afetando negativamente a atividade econômica, quando o BC promove um ciclo de distensão monetária

Aparentemente, com algum atraso, as autoridades da área econômica perceberam o dano causado pela fixação de metas paralelas. Buscam agora dar uma roupagem técnica a uma decisão que não faz o menor sentido. Duas pérolas merecem exame mais detalhado.

Uma delas é que o país deixa de trabalhar com o sistema de meta central. Estaríamos ingressando, portanto, em um sistema de faixas de inflação, sem centro da meta, reproduzindo o modelo da Nova Zelândia, Chile e África do Sul. O mandato do BC seria perseguir uma inflação entre 2,5% e 6,5% em 2009.

O sistema de faixas de inflação, porém, só é usado quando os países atingiram a estabilidade de preços, definido pelo ex-presidente do Fed Alan Greenspan como um percentual tão baixo que as empresas e os indivíduos não o levam em consideração ao tomar as suas decisões no dia-a-dia. Em economias desenvolvidas, afirma-se que este percentual está em 2%. Ainda que se aceite o questionável argumento de que no Brasil esse percentual é um pouco mais elevado, certamente ele é bem menor do que 6,5%. Não há registro, é bom notar, de país que trabalhe com uma faixa de inflação de quatro pontos percentuais. O máximo é três.

Também é algo inédito a coexistência de uma faixa de inflação e uma meta central. São muitas informações, que prejudicam a coordenação das expectativas dos agentes econômicos. Afinal, fica a dúvida sobre se o BC vai perseguir uma faixa de inflação ou uma meta central.

O governo disse ainda que, dentro em breve, a autoridade monetária irá anunciar um objetivo a ser perseguido dentro da banda. Não se estaria, portanto, criando algo estranho ao sistema de metas, já que o próprio BC lançou mão de recurso semelhante em fins de 2004, ao dizer que perseguiria uma inflação de 5,1% em 2005 em vez da meta, de 4,5%.

Um abismo separa, porém, uma situação e outra. Em 2004, a expectativa de inflação se encontrava no limite do intervalo de tolerância, em 7%, e o objetivo ajustado foi criado como um guia para que a inflação convergisse ao centro da meta ao longo de um período mais longo. Agora, pretende-se usar a meta ajustada como um recurso para desviar as expectativas do centro da meta. Se é para fazer a inflação fugir do centro da meta, não tem sentido estabelecê-la em 4,5%. Mantega disse que foi para acomodar eventuais choques negativos de oferta. Mas, para tanto, já existe o intervalo de tolerância.