Título: Nova regulação dos investimentos dos fundos
Autor: Paixão, Leonardo e Pena, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 02/07/2007, Opinião, p. A14

O Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou, no dia 30 de maio, a nova regra de aplicação dos recursos administrados por fundos de pensão, que hoje ultrapassam R$ 350 bilhões. A nova resolução do CMN reflete o amadurecimento do sistema de previdência complementar e permite, de forma equilibrada, maior flexibilidade na gestão dos recursos pertencentes aos planos de benefícios administrados pelos fundos de pensão brasileiros. A nova regra considerou o cenário macroeconômico o arcabouço jurídico e o grau de maturidade, tanto da governança dos fundos de pensão quanto da supervisão, exercida pelo Estado. Dessa forma, a resolução amplia o espaço de atuação dos gestores de fundos de pensão para um ambiente macroeconômico de inflação controlada, juros reais em queda e crescimento econômico sustentável.

No campo jurídico, levou-se em conta que a regulação dos investimentos dos fundos de pensão sempre foi baseada na imposição de limites quantitativos de aplicação e diversificação, como normalmente ocorre nos países de tradição jurídica herdada do direito praticado na Roma antiga (Itália, Alemanha, Suíça, Portugal e Espanha). É uma linha diferente da que prevalece nos países de tradição jurídica anglo-saxã, baseada na consagração jurisprudencial de regras costumeiras (EUA, Reino Unido e Austrália), em que vale a regra do homem prudente, segundo a qual os gestores têm liberdade para seleção e aplicação, devendo, entretanto, agir com cuidado, habilidade e diligência que uma pessoa prudente deve ter ao aplicar recursos de terceiros. É a conhecida distinção entre sistemas jurídicos romano-germânicos (civil law) e sistemas baseados no direito comum (common law), que segue relevante no campo da regulação fundos de pensão, apesar da tendência recente de convergência das duas grandes tradições jurídicas do Ocidente.

No Brasil, que possui o oitavo sistema de previdência complementar do mundo (OCDE, 2005), as resoluções do CMN que trataram dos investimentos das entidades de previdência desde a primeira, em 1978, até 1994, adotaram limites mínimos compulsórios. A partir de 1995, as resoluções passaram a estabelecer limites máximos. Começa a se esboçar, a partir de agora, uma fase de maior flexibilidade, que permitirá a adoção de uma regulação influenciada também pelo conceito do homem prudente.

Além da situação econômica e da estrutura legal, a nova resolução observou e refletiu o estágio da governança dos fundos de pensão e da supervisão exercida pelo Estado. Principalmente a partir da resolução do Conselho de Gestão da Previdência Complementar - CGPC nº 13, de 2004 - os fundos de pensão vêm trabalhando na implantação e aprimoramento de mecanismos de controles internos e gerenciamento dos riscos financeiros e atuariais inerentes à sua atividade, ao passo que o poder público, por intermédio da Secretaria de Previdência Complementar, está implementando um modelo moderno e eficiente de supervisão, baseada em riscos, com ênfase na transparência e segurança para os participantes da previdência privada.

Nesse contexto, as principais alterações levadas a efeito pela nova regulação dos investimentos foram: 1) permissão, até o limite de três por cento dos recursos garantidores dos planos de aposentadoria, para as operações com fundos multimercado que podem incluir estratégias com alavancagem, aluguel de títulos e aplicação no exterior nos termos da CVM; 2) operações em mercados de derivativos com a finalidade de aumentar a eficiência da carteira de investimentos; e 3) maior limite para aplicação em risco de crédito privado (FDIC e CRI). Essas modificações valem-se do modelo de teste dos limites quantitativos como uma curva de aprendizagem para um contexto de maior risco e cumprimento da meta atuarial.

Outra mudança importante que já vinha sendo executada pelos fundos de pensão é a inclusão do princípio da transparência, juntamente com a rentabilidade, segurança, liquidez e solvência, como requisito da gestão financeira, recomendando inclusive a utilização das plataformas eletrônicas para negociação de títulos e valores mobiliários de renda fixa.

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Foi introduzida nova regra para o desenquadramento passivo, de modo a se evitar a venda precipitada de ativos em razão de valorização, com a dilatação do prazo de adequação de 180 para 360 dias, somado a uma regra de solvência que considera as reservas acumuladas do plano de benefícios.

Em termos de simplificação, a nova resolução permite a aplicação em fundos de investimento previdenciários, com limites específicos de aplicação em renda fixa e renda variável, que poderão ser tratadas de forma consolidada, sem a necessidade de abertura da carteira, quando abrangerem a totalidade dos recursos do plano de benefícios. Tal regra facilita os controles das entidades de previdência de pequeno e médio porte, dos instituidores que terceirizam toda a gestão financeira, além das entidades multipatrocinadas, que vêm registrando significativo crescimento, em termos de novos planos e número de participantes, nos últimos quatro anos.

Como indicador de ativismo dos fundos de pensão na elevação da governança corporativa e sustentabilidade empresarial, a resolução incluiu os índices ICG e ISE para majoração de limite de aplicação na carteira de ações em mercado, nivelando assim a gestão dos investimentos das fundações aos conceitos de transparência, preocupação com o meio ambiente e responsabilidade social das empresas, praticados pelo mercado acionário no país.

Buscou-se com a nova regulamentação uma convergência com outros investidores institucionais em termos de limites para aplicação em valores mobiliários de emissão de uma mesma pessoa jurídica, fixando-se em 20% no caso de instituições financeiras e 10% no caso de pessoa jurídica não-financeira, Estados e municípios.

Por fim, a nova resolução do CMN, além de tratar das diretrizes de aplicações dos fundos de pensão, disciplinou também aspectos como contratações, registros etc. Embora a regulação desses últimos temas seja da competência do CGPC, as disposições contidas na resolução do CMN são bem-vindas, por adicionarem proteção ao participante dos planos de previdência operados por fundos de pensão.

O fundamental é que as melhorias e desafios da regulação dos investimentos dos fundos de pensão estão alinhados, no longo prazo, aos objetivos de estabilidade de regras e comportamento, que encontram sua expressão mais evidente no projeto de lei para criação de uma autarquia encarregada da supervisão da previdência complementar fechada, de modo a estabelecer um ambiente normativo favorável ao crescimento da poupança previdenciária indutora do desenvolvimento sócio-econômico do país.

Leonardo Paixão é advogado com doutorado em Direito de Estado pela USP, gestor público do Ministério do Planejamento e secretário de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social (SPC/MPS).

Ricardo Pena é economista com doutorado em Demografia pela UFMG, auditor fiscal do Ministério da Fazenda e Diretor de Assuntos Econômicos da SPC/MPS.