Título: Decisão do CMN libera BC para buscar inflação menor sempre
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 28/06/2007, Brasil, p. A3

No tumultuado anúncio da meta da inflação, os membros do Conselho Monetário Nacional (CMN) não conseguiram comunicar um aspecto fundamental da decisão: o Banco Central ganhou um mandato explícito para perseguir uma inflação abaixo de 4,5% não apenas em 2009, mas também em 2007 e 2008.

Ontem, economistas do governo se esforçavam para esclarecer a confusão. Uma autoridade com acesso ao processo decisório frisou que, no voto apresentado ao CMN pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, está escrito que a meta de 4,5% "não significa que, se as condições macroeconômicas assim o indicarem, o BC não possa perseguir uma inflação ainda mais reduzida".

Anteontem, o ministro Mantega e o presidente do BC, Henrique Meirelles, haviam dito que a meta de 2009 foi fixada em 4,5%, mas que a política monetária seria calibrada para atingir 4%. Também disseram que o BC deixaria de trabalhar com um centro da meta - que passaria a ser apenas um ponto referencial -, e que buscaria deixar a inflação dentro de uma faixa que vai de 2,5% a 6,5%. Essas informações criaram uma confusão: afinal, o BC iria buscar 4% ou uma inflação entre 2,5% e 6,5%?

Baixada a poeira, ontem as informações começavam a ser ordenadas de forma que faz mais sentido. Autoridades esclareceram que o BC não vai buscar uma inflação de 4% para 2009. O percentual de 4% surgiu na história porque essa é a inflação projetada pelo mercado financeiro para 2009. O governo acha um percentual razoável, mas não quer se comprometer com ele com tanta antecedência porque o mercado pode reduzi-lo mais.

Isso já está ocorrendo, por exemplo, com a inflação projetada para 2008. As expectativas medianas dos analistas, que durante muito tempo ficaram estacionadas em 4%, caíram para 3,99% em pesquisa do BC divulgada nesta semana. E a expectativa média de inflação, um indicador antecedente de onde irá a mediana, já está em 3,89%. Mais importante: a expectativa média para 2009 já caiu para baixo de 4%, chegando a 3,98%.

A avaliação é que, se o BC se comprometer de antemão com um alvo de 4% para 2009, vai impedir um movimento salutar de melhoria das expectativas - que podem levar a uma taxa efetiva de inflação mais baixa, sem custo adicional para a política monetária.

A estratégia será, conforme havia sinalizado Meirelles anteontem, esperar mais um tempo para ver em que nível as expectativas inflacionárias vão se consolidar. A partir de então o BC vai indicar o seu objetivo. Isso poderá ser feito de duas formas - e não há decisão sobre qual será usada. Uma delas é dizer explicitamente o objetivo a ser perseguido, como ocorreu em fins de 2004, quando o BC anunciou que iria mirar 5,1% em 2005, em vez do centro da meta, de 4,5%. Outra maneira é fazer indicações não explicitas e não verbais, como faz, por exemplo, o Fed.

A ausência de um objetivo numérico não significa, entretanto, que o BC ganhou discricionariedade absoluta. O mandato conferido pelo CMN foi o de perseguir uma meta inferior a 4,5%. Portanto, o BC calibrará a política monetária para que a inflação fique na faixa entre 2,5% e 4,5%. O sistema não chega a ser uma novidade. É adotado, por exemplo, na Nova Zelândia - primeira economia a adotar o regime de metas, onde o objetivo é deixar a inflação entre 1% e 3%.

No Brasil, a política monetária será calibrada para atingir inflação entre 2,5% e 4,5%. Mas, se por um acidente, como uma crise internacional de grandes proporções, a inflação terminar entre 4,5% e 6,5%, a meta não será considerada descumprida. Esse sistema um pouco mais complexo chegou a ser entendido como uma forma de acomodar os interesses de Mantega, que queria uma meta de 4,5%, e de Meirelles, que queria 4%. Na verdade, o sistema com uma faixa de inflação em vez de alvo central foi instituído a pedido do BC.

O BC antevia cada vez mais dificuldades para explicar a inflação abaixo do centro da meta. Até 2006, tinha o argumento de que mirava o centro da meta, mas choques positivos de oferta fizeram com que a inflação (3,14%) se desviasse desse objetivo (4,5%). Mas e quando o mercado começa a projetar inflação inferior a 4% para 2008 e 2009?

Há algo como 60 dias, consolidou-se uma leitura no BC de que houve uma mudança estrutural, com maiores investimentos e mais importações, que leva o país a inflações menores. A autoridade monetária tinha duas opções: inflacionar a economia desnecessariamente, sem ganhos adicionais em termos de crescimento; ou perseguir desde já um alvo mais baixo. O CMN concedeu um mandato explícito para que, de 2007 em diante, o BC faça essa segunda opção.

Ontem, a decisão já era mais bem digerida por analistas econômicos. O ex-diretor de Política Econômica do BC Ilan Goldfajn avalia que o sistema de metas de inflação já está maduro no país. "O pior teria sido fixar uma meta de 4,5%", afirma. "Como não foi possível fixar em 4%, criou-se essa faixa, que na prática permite que o BC persiga uma inflação menor que 4,5%."