Título: O capitalismo brasileiro assim como ele é
Autor: Braga, J. Carlos de Souza
Fonte: Valor Econômico, 28/06/2007, Opinião, p. A12

A razão numa perspectiva histórico-estrutural não parece estar nem com os estagnacionistas radicais nem com os cosmopolitas da globalização. O modelo econômico brasileiro, vigente desde 1994, dá fortes sinais de que está a elevar seu patamar de crescimento, mas revela limites na superação do subdesenvolvimento.

Subdesenvolvimento é a permanência de graus importantes de subordinação internacional no plano monetário-financeiro, de baixa capacidade endógena de inovação tecnológica, de heterogeneidade estrutural nos planos produtivo, regional e social (questão sócio-agrária, entre outras), de disparidades na distribuição da renda e da riqueza, de desemprego estrutural.

No Brasil, o período dinâmico do desenvolvimentismo, nas décadas de 50, 60 e 70 do Século XX, não resolveu esses problemas. A lição é que crescimento e dinamismo industrial são necessários, mas insuficientes. Bastam, contudo, para elevar a acumulação de capital, criar novos produtos, ampliar a infra-estrutura, a urbanização etc.

Em 1994 iniciou-se a construção do modelo econômico que substituiu o desenvolvimentista. Trata-se de modelo sujeito a instabilidades como qualquer outro, especialmente nos inscritos na periferia da globalização financeira. Ele tem superado com apoios estatal e internacional - do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do G-7, entre outros - os distintos tipos de "crise", e imposto uma dominação com a marca dos "novos" vínculos internacionais.

As forças desse modelo que permitiriam uma elevação do patamar de crescimento vinculado especificamente aos requisitos da acumulação capitalista são:

1) Uma moeda, o real, que reunificou as três funções de um padrão monetário indispensável para o andamento de uma economia: ser meio de pagamento, referência de preços e reserva de valor no espaço nacional. O Plano Real conseguiu recriar uma moeda para acumulação monetária de lucros no Brasil sem dolarização. Evidentemente, ela não é conversível internacionalmente, o que requer acúmulo expressivo, como o atual, de reservas internacionais no BC;

-------------------------------------------------------------------------------- Fazer crescimento com distribuição de renda, sem pressões inflacionárias, requer adequações da política econômica --------------------------------------------------------------------------------

2) Um sistema bancário público e privado reestruturado e capitalizado, que já vem ampliando a oferta de crédito, respondendo à aceleração da demanda - sobretudo no segmento de crédito de curto prazo, tipicamente atendido pelos bancos comerciais -, e à redução das taxas de juros. Além do BNDES e do financiamento externo, o autofinanciamento dos grandes grupos industriais e o mercado de capitais podem estar a (ou vir a) cumprir a função de financiar o investimento. O mercado de capitais brasileiro começa a expandir-se e conta com os bancos no segmento de atacado e na articulação dos negócios. Na inserção financeira internacional, o Brasil abriu o acesso tanto de residentes quanto de não-residentes ao movimento de capitais. Um BC que é independente, na prática, e "guardião" da estabilidade de preços, completa a conformação que gera confiança nos "gestores da riqueza". Observe-se que o crescimento recente se engendra, a despeito do conservadorismo exacerbado na condução dos juros.

3) As grandes empresas e as médio-grandes empresas estão líquidas e rentáveis e vêm ampliando o investimento, inclusive em resposta ao consumo interno que se expande. Realizam ganhos operacionais e ganhos financeiros. Isso explica porque juros altos não impactam negativamente a geração de lucros monetários por parte das grandes empresas. A separação entre a esfera produtiva e a financeira está "superada" ou é no mínimo discutível, exceto para pequenas e médias empresas.

4) A recombinação de forças produtivas efetuada na agropecuária brasileira mostrou competitividade e impacto positivo no balanço de pagamentos. O agronegócio, ao requerer inovações técnicas, gera requisitos produtivos que diversificam e ampliam a demanda ao setor industrial via máquinas, equipamentos etc. Os abalos do modelo - em função do câmbio, sobretudo - na indústria, ainda que problemáticos, não parecem irreversíveis. Não há um determinístico processo de desindustrialização em curso. Contudo, as ameaças prosseguirão na continuidade da apreciação cambial.

5) A vulnerabilidade externa da economia brasileira reduziu-se não só pela ótica do coeficiente da dívida externa em relação às exportações. Embora reversível, há que se ter em conta também o acúmulo crescente de reservas internacionais que poderá ultrapassar o montante da dívida externa.

6) Nas condições atuais, aos atores com poder financeiro pode interessar juros mais baixos e maior crescimento, pois aumentam as chances do investment grade para o Brasil, sinônimo de oportunidades de negócios lucrativos. O presidente da República parece decidido que o "viés" agora tem de ser o de crescimento.

Entretanto, cuidado, pois já há os que ofereçam a miragem do "crescimento sustentado" ( sic). Ora, isso não existe no capitalismo desregulado. Autores insuspeitos em suas adesões à civilização burguesa - Joseph Schumpeter e John Maynard Keynes - perceberam que o sistema se move por instabilidades, jamais por crescimento sustentado.

Para concluir, a hipótese é que o Brasil deverá elevar o patamar de crescimento através do modelo em curso ainda que combinando acumulação produtiva com a financeiro-especulativa. O problema grave é que isso provoca condições adversas à superação do subdesenvolvimento. A questão relevante, portanto, é : qual o modelo de crescimento? A análise aqui esboçada aponta para a necessidade de um desenvolvimento produtivista e distributivista. Ele requer alta taxa de acumulação produtiva, de aumento da produtividade para permitir crescimento e distribuição de renda e de riqueza sem pressões inflacionárias. Requer adequações da política econômica combinando intervenções de curto, médio e longo alcances. Isto implicaria mudanças gradativas e cuidadosas no modelo vigente o que é mais factível com crescimento, estabilidade e baixa vulnerabilidade externa. Mas isso é tema para outros artigos e tantos outros rounds políticos na história.

José Carlos de Souza Braga é professor livre-docente e diretor de Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais (Ceri) do Instituto de Economia da Unicamp. Foi secretário de Abastecimento e Preços do Ministério da Fazenda (1986/1987).