Título: Sarkozy, uma chance em décadas
Autor: Ménil, Georges de
Fonte: Valor Econômico, 28/06/2007, Opinião, p. A13

O triunfo de Nicolas Sarkozy na eleição presidencial em maio e, agora, a vitória do seu partido, o UMP, na eleição parlamentar, criou a oportunidade mais favorável em décadas para se instituir profundas reformas estruturais na França. Sarkozy não só conquistou a presidência com 53% dos votos, como sua taxa de aprovação disparou desde então, depois de formar um governo de inclusão com recrutas eminentes da oposição.

No primeiro turno da eleição parlamentar, o UMP conquistou o recorde de 40% dos votos. Embora os eleitores tenham negado ao UMP uma vitória esmagadora no segundo turno, o partido governante manteve a maioria legislativa pela primeira vez em 29 anos.

Nos dias que se seguiram à sua eleição, Sarkozy "recolocou a França na Europa", revigorando a parceria franco-alemã, além de dar apoio decisivo à campanha da premiê alemã Angela Merkel, que propõe reviver o projeto de tratado constitucional para a União Européia. Ele demonstrou pragmatismo ao não vetar as negociações em andamento de adesão da Turquia à UE, evitando confrontos desnecessários com Reino Unido e Espanha, apesar de manter oposição de longa data à concessão da condição de membro pleno à Turquia. Igualmente, o discreto silêncio do seu governo no rastro do mais recente aumento da taxa de juros praticada pelo Banco Central Europeu traduz-se em reconhecimento eloqüente da independência do BCE.

Mas como Sarkozy e seu governo responderão às ameaças internas da França? Ostentando crescimento anêmico, com taxa de desemprego estagnada entre 9% e 10% por mais de 20 anos e com guetos de imigrantes que oscilam entre a ausência da lei e o desespero, a França é, de fato, um dos países enfermos da Europa. Numa situação em que a adaptação à concorrência internacional implacável e às mudanças tecnológicas velozes exige flexibilidade e responsabilidade individual, a cultura dominante na França continua sendo baseada em assistência e direitos adquiridos.

Agora ficou claro que o governo francês seguirá o programa presidencial de Sarkozy à risca. O carro-chefe do programa é a isenção do recolhimento de seguridade social e imposto de renda sobre as horas extras. Muitos economistas e alguns observadores estrangeiros estão perplexos com a ênfase de Sarkozy aplicou nesta provisão onerosa. Com efeito, pode parecer desproporcional dar prioridade ao ao estímulo ao período de trabalho suplementar em relação ao estímulo ao emprego.

A França, porém, não é um país normal. Por dez anos, o país se debateu com os custos de uma semana de 35 horas obrigatórias - um teto agora tão entranhado na legislação que regulamenta as horas de trabalho que sua simples revogação poderá levar ao caos. A alternativa, um período de isenção fiscal, representa uma grata quebra da cultura da "folga" e um estímulo para aqueles que, como diz o slogan de campanha de Sarkozy, querem "trabalhar mais para ganhar mais". As demais medidas do programa são uma série de cortes de impostos para a classe média, empreendedores e os ricos, que, embora dispendiosas, constituem uma igualmente bem-vinda ruptura com as tradições de taxação punitiva da França.

-------------------------------------------------------------------------------- O futuro da sua economia, a estabilidade de sua sociedade e a influência da França dependem das negociações para mudar lei trabalhista --------------------------------------------------------------------------------

Nenhuma dessas medidas, porém, atinge o cerne dos problemas estruturais da França. O nó que paralisa a iniciativa e bloqueia o emprego consiste num emaranhado de regulamentações que asfixia o mercado de trabalho. Empresas francesas vivem sob a constante ameaça de receber a visita surpresa de um inspetor do trabalho para conferir obediência às leis num livro espesso com medidas arcaicas. Pior ainda, a noção de que alguma lei ou regulamentação cobre cada aspecto do emprego envenena o ambiente de trabalho e desestimula tentativas de solucionar problemas pragmaticamente. Quando dois lados de uma disputa sabem que provavelmente terminarão indo a um tribunal, nenhum tem incentivo para chegar num acordo.

As provisões mais onerosas da lei são as que regulam os termos dos contratos de emprego, pois condenam empregadores que decidem fechar uma planta a superar uma maratona de procedimentos jurídicos de duração incerta e desfecho imprevisível. Isso não só dificulta a reestruturação, mas também faz as empresas hesitarem em contratar e inibe a inovação.

Uma medida de caráter provisório, que permite às companhias empregar para tarefas temporárias com a condição de os contratos não serem renovados, condena os menos capacitados a um ciclo desmoralizante de empregos de curta duração e a repetidos períodos de desemprego. Esses trabalhadores marginais são predominantemente imigrantes e filhos e netos de antigos imigrantes, cuja integração socioeconômica fica bloqueada, aprisionando-os em guetos suburbanos cada vez mais violentos.

Existe uma solução simples, embora radical: revogar as provisões jurídicas que regulam a duração dos contratos de emprego e remeter o tratamento da estabilidade no emprego e do tempo de serviço ao dissídio coletivo, como ocorre em todos os lugares. O complemento lógico desse tipo de liberdade seria fazer os empregadores pagarem os custos sociais dos fechamentos de fábricas, aplicando um imposto sobre demissões, que aumentaria com o tempo de serviço. O produto do imposto poderia ser usado em parte para prover recursos à expansão dos subdesenvolvidos serviços públicos de colocação de emprego, que são urgentes.

Infelizmente, o programa de Sarkozy nessa área crítica é vago. A proteção do emprego beneficia o empregado às custas do desempregado e alguns sindicatos de trabalhadores, em especial os mais combativos, se opõem vigorosamente a uma maior flexibilização e já ameaçaram bloquear medidas liberalizantes nas ruas. O caminho pragmático foi o de estabelecer objetivos gerais durante a campanha e depois das eleições estimular os sindicatos a apresentarem as primeiras propostas.

O premiê François Fillon pediu a realização de negociações tripartites sobre a estabilidade no emprego e o tempo de serviço nos dois próximos trimestres. Concordará o governo com mudanças marginais à lei trabalhista existente ou aproveitará a oportunidade única de romper uma geração de regulamentações asfixiantes? O futuro da sua economia, a estabilidade da sua sociedade e a influência da França no mundo dependem do resultado.

Georges de Ménil é professor de Ciências Sociais na Escola de Estudos Avançados e é autor de "Common Sense: pour débloquer la société francaise".© Project Syndicate/Europe´s World, 2007. www.project-syndicate.org