Título: AES quer pagar US$ 1 bi ao BNDES por dívida da Cemig
Autor: Adachi, Vanessa e Balarin, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 28/06/2007, Empresas, p. B8

A AES está muito perto de fechar um acordo para saldar um empréstimo concedido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) há dez anos, a única inadimplência do grupo americano no mundo todo. A empresa propõe pagar US$ 1 bilhão (R$ 2 bilhões) de uma só vez para encerrar a disputa com o banco e liberar um lote de 32,96% do capital ordinário da Cemig, que está bloqueado na Justiça em garantia da dívida.

A participação na Cemig foi comprada em 1997 pelo consórcio Southern Electric do Brasil (SEB), do qual também faz parte o Opportunity, com uma fatia de 8,25% (a AES detém os outros 91,75%). Na ocasião as ações davam direito à gestão da companhia. Mas, em 1999, o então governador mineiro Itamar Franco suspendeu judicialmente esse direito.

Os termos negociados sugerem que o BNDES estaria concedendo um substancial desconto para fechar o acordo, talvez perdoando multas e correções. No fim do ano passado, o banco oficial chegou a informar que a dívida corrigida estava próxima de R$ 3 bilhões, mas que já havia lançado os débitos como prejuízo em seu balanço.

Foi fixado um prazo até dia 30 para que a negociação seja concluída e o pagamento efetuado. Como a data cairá no sábado, existe a possibilidade de extensão de prazo até segunda.

As negociações entre AES e BNDES avançavam bem, mas ontem esbarraram em alguns obstáculos. O primeiro e mais sério é que a AES propõe depositar o dinheiro em uma conta bloqueada (gráfica), à qual o BNDES só teria acesso com a liberação das ações da Cemig pela Justiça e posterior venda no mercado. O banco resiste a essa opção e só quer liberar as ações com o dinheiro na mão.

O BNDES também tem pressa em fechar o acordo antes do fim do primeiro semestre. Como a dívida foi lançada como prejuízo no passado, o dinheiro que entrar agora impactará diretamente o lucro semestral da instituição, agora sob o comando do economista Luciano Coutinho.

Pela proposta da AES, parte do pagamento ao BNDES será feita com os dividendos distribuídos pela Cemig nos últimos anos e que foram bloqueados na Justiça a partir de 2004. Em dezembro, já somavam R$ 450 milhões. Sem recursos para saldar o restante da dívida, a AES recorreu a um novo empréstimo do banco Credit Suisse.

Uma vez liberadas as ações, a idéia seria realizar uma oferta pública dos papéis. Ontem, essas ações valiam R$ 2,63 bilhões na bolsa, ou US$ 1,35 bilhão. Descontada a remuneração do Credit Suisse pelo empréstimo, AES e Opportunity ainda embolsariam um bom lucro com a operação.

O Valor apurou que, paralelamente, há pelo menos mais dois grupos interessados em liquidar a dívida da AES com o BNDES e ficar comprar as ações que estão bloqueadas. Mas, neste caso, o ganho da AES e do Opportunity tenderia a ser bem menor, embora o BNDES viesse a receber o mesmo valor. Um dos grupos seria formado pelos investidores que compraram o controle da Light no ano passado. O segundo é um fundo hedge americano. A proposta com maiores chances de vingar, porém, é a da AES com apoio do Credit Suisse.

O executivo da AES Fernando Gonzalez está no Rio de Janeiro durante toda a semana para fechar o acordo. Procurado pelo Valor, Gonzalez disse que não comentaria a operação.

A liquidação da dívida é o primeiro passo da estratégia da AES. Superada essa fase, a empresa partirá para uma negociação com o governo mineiro sobre a gestão da elétrica, hoje alvo de processo judicial. O objetivo é retomar a gestão da Cemig e, com isso, obter uma valorização das ações. A venda dos papéis no mercado poderia vir depois dessa etapa. No mercado financeiro, comenta-se que, neste cenário, o Credit Suisse poderia ter parte da sua remuneração pelo empréstimo atrelada à valorização dos papéis. Em muitas operações recentes de oferta de ações, o banco tem negociado esse tipo de remuneração variável.

Há cinco anos o banco negocia o recebimento deste débito com os sócios da SEB. As empresas consorciadas ficaram inadimplentes com o BNDES em abril de 2003, com uma dívida estimada em US$ 700 milhões, que um ano depois era de US$ 750 milhões. Em dezembro de 2006, o débito com o banco atingiu US$ 1,5 bilhão.

A solução em negociação, ou seja, de receber o pagamento da dívida e liberar as ações para a SEB, agrada ao BNDES, pois o que interessava à instituição era recuperar o crédito e não ser dono das ações ordinárias da Cemig, que perderam seu status de ações de bloco de controle da empresa de energia de Minas Gerais.

O episódio AES/Cemig é mais um caso de inadimplência da empresa americana com o BNDES. Em 2003, a multinacional de energia entrou em crise no Brasil e ficou devendo também ao banco tanto o empréstimo de US$ 1,2 bilhão para compra do controle da Eletropaulo, privatizada. Para equacionar o débito, o banco aceitou tornar-se sócio com 49% da holding Brasiliana, que controla a Eletropaulo, a empresa de geração AES Tietê e a termelétrica AES Uruguaiana. Sua participação foi agora colocada à venda em uma oferta pública. A AES terá que exercer o direito de preferência no negócio ou colocar também sua parte à venda pelo mesmo valor.