Título: "Opiniões convergentes" deixam Mantega satisfeito
Autor: Salgado, Raquel e Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 22/06/2007, Brasil, p. A5

O Ministério da Fazenda comemorou as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que indicam sua inclinação por fixar a meta de inflação de 2009 em 4,5%. O objetivo menos ambicioso é visto como uma forma de dar maior flexibilidade à política monetária conduzida pelo Banco Central, mas sem abrir mão do controle da inflação. "O presidente tem a última palavra e fico satisfeito que tenhamos opiniões muito convergentes", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, referindo-se a entrevista concedida por Lula ao Valor, publicada ontem. "Não queremos deixar o BC nervoso."

O secretário de Acompanhamento Econômico da Fazenda, Nelson Barbosa, argumentou que a meta de 4,5% dá um espaço maior para o BC acomodar eventuais choques negativos de oferta. Segundo ele, a economia internacional está sujeita a mudanças repentinas de humor. "No ano que vem, por exemplo, teremos eleições presidenciais nos Estados Unidos", disse Barbosa. "Imagine que, por acaso, o Partido Democrata vença as eleições e, da noite para o dia, resolva tirar as tropas americanas do Iraque. O que aconteceria com a cotação do petróleo?"

Barbosa lembrou que o Brasil está no nono ano do regime de metas de inflação, adotado em 1999, e que nesse período a inflação ficou sete vezes acima do centro da meta. Caso se confirme a inflação de 3,6% projetada pelo mercado financeiro para 2007, disse o secretário, haverá apenas dois anos com a inflação abaixo do centro da meta. "Parece um risco desnecessário fixar uma meta mais baixa, já que a história mostra que na maior parte do tempo a inflação ficou acima do centro da meta", afirmou o secretário.

Outro argumento em favor de manter a meta em 4,5%, disse Barbosa, é o fato de que a economia está em trajetória de crescimento acelerado, que ocorre paralelamente ao aumento do PIB potencial (percentual que a economia pode crescer sem pressionar a inflação). Ele lembra que é natural o crescimento da economia oscilar em torno do potencial, ora ficando acima e ora abaixo. Mas os riscos de inflação são um pouco maiores quando a economia anda acima do potencial de crescimento.

Barbosa diz que a meta de 4,5% não quer dizer que o BC vá buscar deliberadamente uma inflação mais alta. "Se as coisas correrem bem, o BC pode anunciar e perseguir uma meta ajustada mais baixa do que o centro da meta", disse o secretário. Ele se referiu ao expediente adotado em 2003, quando, diante de uma crise de grandes proporções, o BC deixou de buscar a meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e perseguiu um valor ajustado. Em 2005, para reduzir os custos de desinflação, o BC anunciou que perseguiria um objetivo de 5,1% em vez da meta de 4,5% daquele ano.

Mantega também vê uma série de vantagens na escolha dos 4,5%. "A meta que estamos praticando está dando certo, permitindo que o país cresça porque não exige do BC uma política mais rigorosa de juros altos, como no passado. Está viabilizando o crescimento e, ao mesmo tempo, temos uma inflação baixa", disse. "Temos um antídoto antiinflacionário muito poderoso, que é o câmbio valorizado e importações em alta."

Na mesma linha que Barbosa, o ministro diz que a meta dá maior flexibilidade para o BC agir em casos de choques negativos de oferta. "Se a gente trabalhar com 2,5%, por exemplo, a meta fica muito rigorosa, muito baixa, e haverá o risco de, em alguma perturbação passageira na economia, o BC ter de agir, ficar nervoso e voltar a subir os juros." Mantega sustenta que a economia está sujeita a solavancos. "Não podemos pensar só na bonança", disse. "Temos que evitar criar riscos que possam interromper o crescimento, que é sustentável e contínuo."

Perguntado se era voto vencido no debate dentro do governo, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que vem defendendo uma meta de 4%, procurou não criar atritos. "Essa questão jamais seria decidida pelo voto. Vamos discutir isso e levar a questão na linha do convencimento." Sobre a decisão final, disse, em tom de brincadeira: "Vamos ver quem manda nessa questão, se é o presidente ou o Conselho Monetário."

Bernardo não quis polemizar com Mantega. "Não vou comentar a decisão do ministro Guido e muito menos do presidente. Aliás, se a questão cair na mesa do presidente, é ele quem decide." O BC manteve-se em silêncio sobre as declarações de Lula. Anteontem, o presidente da instituição, Henrique Meirelles, disse que não divulgaria a sua posição porque o BC terá de perseguir a meta de inflação qualquer que seja o percentual.

O BC, porém, vem emitindo diversos sinais de que preferiria uma meta mais baixa, de 4%. Seu principal argumento é que uma meta menor não teria custos. A política monetária conquistou um nível tal de credibilidade que a mera fixação de um objetivo mais baixo faz o mercado trabalhar com uma taxa de inflação mais baixa. (*Do Valor Online. Colaborou Thiago Vitale Jayme, de Brasília)