Título: Manutenção da meta de inflação divide economistas
Autor: Salgado, Raquel e Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 22/06/2007, Brasil, p. A5

Economistas ouvidos pelo Valor divergem sobre a intenção de fixar a meta de inflação para 2009 em 4,5%, defendida ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Enquanto alguns acreditam que é preciso aproveitar a estabilidade econômica e fixar um objetivo menor, de 4%, outros concordam com Lula e acreditam que o país ainda precisa de uma margem de manobra maior nos preços. Para os primeiros, a meta mais rígida ajuda a política monetária. Para os demais, é um elemento que constrange o crescimento.

Os analistas que defendem uma meta de 4% crêem que prevalece no governo a visão de que fixar uma inflação menor poderia comprometer o crescimento do país. O mentor desta análise seria o ministro da Fazenda, Guido Mantega. "É justamente o contrário", rebate Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central. Ele explica que o banco estabelece os juros nominais mirando justamente os juros reais, dos quais se descontam justamente as expectativas de inflação. E, quanto menor for a meta, menor serão as expectativas, e, consequentemente, menor serão os juros reais. Nesse cenário, o BC terá um espaço adicional para reduzir a taxa Selic - o que impulsionaria o crescimento.

Em entrevista ontem ao Valor, Lula disse pensar que o país não deve fazer mais sacrifícios, reduzindo a meta para 2009. "Já fizemos o sacrifício para 4,5% e foi muito duro. Gostaria que pensássemos politicamente, que não temos mais o direito de fazer um novo arrocho", argumentou.

Os professores da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo e Ricardo Carneiro concordam com a visão do presidente. Para Carneiro, 4,5% é uma boa meta para o caso brasileiro que, na sua avaliação, ainda precisa de uma margem de manobra maior. "Hoje as coisas estão muito bem, há muito capital entrando, o que aprecia o câmbio e empurra a inflação para baixo. Mas essa situação não vai durar para sempre", afirma. Quando o rumo do câmbio se inverter, diz, será importante ter um espaço maior para acomodar esse impacto. No Brasil, diz, a correlação entre preços internos e câmbio é muito alta.

Já Belluzzo diz que não faz sentido baixar ainda mais a meta de inflação "se o país tem crescido pouco há tanto tempo." Para ele, se o Conselho Monetário Nacional (CMN) reduzir a meta para 4% para 2009, o BC diminuirá ainda mais a velocidade do corte de juros. "Aí poderemos ter um crescimento ainda menor", diz o economista.

Assim com os demais economistas alinhados ao pensamento econômico ortodoxo, Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada, acredita que Lula comprou a avaliação do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que uma inflação mais baixa exigirá mais sacrifícios. Sacrifícios que poderiam ser traduzidos como aperto da política monetária. "É o regime de metas e seu cumprimento que dá credibilidade ao Banco Central e reduz os sacrifícios da política anti-inflacionária", resume Loyola. Além disso, ele lembra que, ainda que existam choques de preços, o governo trabalha com uma margem bem ampla para a meta, de 2 pontos percentuais, sejam para cima ou para baixo.

O economista Fernando Cardim, professor de macroeconomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e crítico agudo da política macroeconômica do governo Lula, diz que pela primeira vez em cinco anos concorda com um ponto de vista do presidente. "Acho que ele tem razão. Está sendo movido pelo bom senso", avalia Cardim.

Para ele, os brasileiros de mais idade têm fobia de preços altos porque conviveram com a inflação e com seus malefícios. Para o economista, contudo, a inflação torna-se um problema de grande magnitude quando a variação dos preços é muito maior do que a de outras variáveis econômicas.

Para ele, uma coisa é a inflação estar em 1.000% e o empresário corrigir seus preços em 500%. Fatalmente, ele quebra. Mas se a alta é de 4% e a correção é de 2%, também a metade do índice, é possível recuperar, até mesmo porque a variação dos preços não é linear e nem as medições são perfeitas. Conclusão: "O presidente está certo. O ganho que se teria (na taxa de inflação), face a uma política de juros mais dura (para garantir uma meta mais baixa) e os seus efeitos colaterais, não vale a pena", afirma.

Por outro lado, Ilan Goldfajn, ex-diretor de Política Econômica do BC , tem outra visão. "Acho que a decisão de ir para 4% não é tão difícil. Não é necessário um novo esforço. Alguém o convenceu (o presidente) de que 4% é um novo esforço, quando a inflação já está abaixo disso. É uma decisão fácil (a de baixar a meta) que pode ficar difícil à toa", argumenta Goldfajn, hoje sócio da Ciano Investimentos, empresa de gestão de recursos.

Sem citar nominalmente Mantega, o economista disse que os que estão aconselhando o presidente a defender a manutenção da meta em 4,5% "querem aproveitar mais o momento em vez de construir o futuro". Para ele, manter a meta onde está, em vez de baixar para 4% "é pouca coisa, mas é na direção errada. Algum governante lá no futuro terá que fazer o esforço (para baixar a taxa) que já foi feito."

Para Samuel Pessôa, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), não só a inflação pode chegar a 4%, mas como também o intervalo de tolerância, que hoje está em 2 pontos percentuais, poderia ser reduzido para 1,5. "Se a inflação já está bem abaixo de 4,5% ao ano, não haveria problema em reduzir a meta para 4% ao ano para a segunda metade do segundo mandato (isto é, para 2009 e 2010)", diz.

Ao optar por uma inflação de 4,5%, o sinal dado ao mercado será que "ainda que de forma implícita e que o ministro Mantega venha a negar, fica claro que o governo julga que um pouco mais de inflação gera um pouco mais de crescimento", diz Pastore. O economista, acredita, contudo, que essa decisão fará o Brasil colher mais inflação, sem colher mais crescimento.