Título: Calheiros deve se afastar até a apuração dos fatos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/06/2007, Política, p. A18

O Senado achava-se invulnerável. Supunha que as crises políticas jamais abalariam aquela confraria de políticos que pedem "data venia" para discordar ou até para atacar um adversário. Foi esse clima ameno, de quase compadrio, que presidiu a reeleição do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) para a presidência da casa, no início de fevereiro. Embora com uma oposição teoricamente mais forte naquela casa, o governo viu a eleição de Renan ocorrer sem que o candidato adversário, José Agripino (DEM-RN), representasse um mínimo risco. Renan, afinal, era o retrato do Senado: afável com governistas e oposicionistas, disposto a prestar favores e conciliar interesses e com amigos que se espalhavam indistintamente por todas as legendas.

Foi esse Renan Calheiros, o afável, que jogou o Senado numa das maiores crises da sua história. Mas não fez isso sozinho. A imensa maioria dos 81 senadores que circulam pelos carpetes azuis do Congresso teve uma contribuição inestimável para isso. Quando o presidente do Senado foi acusado de ter usado os favores de um lobista da empreiteira Mendes Júnior, Cláudio Gontijo, para pagar a pensão de uma filha sua, de uma relação extraconjugal, e o P-SOL entrou com um pedido de abertura de processo por falta de decoro parlamentar contra o senador, os seus pares se uniram para salvá-lo. Supõe-se que por alguns momentos deve ter passado pela cabeça daqueles veneráveis senhores e senhoras que eles estavam num chá da Associação Brasileira de Letras. Lá, a conversa é boa e valem os amigos.

A farsa montada na Comissão de Ética por um relator de encomenda, o senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA) - que produziu um relatório inocentando Calheiros sem que qualquer testemunha fosse ouvida, apenas com as ditas provas de inocência apresentadas pelo acusado -, foi tão evidente que constrangeu até os amigos do presidente do Senado. O laudo apresentado pela Polícia Federal, que segundo Renan o inocentaria, acabou por apontar outros crimes, como o de sonegação tributária e até fabricação de provas com notas frias.

Enquanto o Conselho de Ética se enrola para arrumar uma solução para seu presidente, o senador alagoano apregoa aos quatro ventos que não renuncia. "Eu sou um homem de luta, a palavra renúncia não existe no meu vocabulário", afirma. Azar do Senado. A sucessão de denúncias contra o senador e as imagens instantâneas na TV de reuniões que foram uma mera encenação para livrar o protagonista do mais novo escândalo desgastaram a casa legislativa. Azar também da democracia. Não é justificável que um processo por falta de decoro parlamentar tramite no Senado com Renan na presidência. Ao fim e ao cabo, é como se ele estivesse presidindo o seu próprio julgamento.

Esta semana, senadores que fizeram questão de reafirmar amizade a Renan pediram, envergonhados, que ele se afaste do cargo até o julgamento. Ele não arreda o pé. Mas a farsa acabou: sob forte pressão pública, os senadores que antes, na Comissão de Ética, admitiam aprovar um relatório que simplesmente desconhecia a denúncia, não são mais a maioria. O próprio presidente da comissão, Sibá Machado (PT-AC), que era parte da estratégia "arquive-se", recuou e admite que não será possível a votação do relatório sem que os senadores tenham informações cabais acerca dos fatos que, nas últimas duas semanas, vieram à tona e comprometem o seu presidente.

Se Renan afastar-se do cargo até que os fatos sejam esclarecidos e a Comissão de Ética proceder a uma investigação de fato, o Senado poderá recuperar alguma credibilidade. Ela, aliás, não anda muito em forma, e o Senado não fez muita coisa para que essa situação melhore. Integram o circo armado para livrar o presidente do Senado um punhado de senadores que estão lá sem jamais ter tido um voto. O presidente da Comissão é suplente da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva; o relator por um dia que dramaticamente renunciou para tentar forçar um arquivamento do caso já na quarta-feira, Wellington Salgado (PMDB-MG), é suplente do ministro das Comunicações, Hélio Costa. Valter Pereira (PMDB-MS), Aldemir Santana (DEM-DF) e João Pedro (PT-AM) também substituem os verdadeiros eleitos. Representam um terço da Comissão de Ética. Se o processo contra Renan for simplesmente arquivado sem que os fatos sejam apurados, será difícil convencer a opinião pública de que esta foi uma decisão legítima.