Título: Cade deverá dar prioridade às fusões
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2007, Brasil, p. A4

A nova legislação de defesa da concorrência, em tramitação no Congresso, prevê que o Cade terá de priorizar o julgamento de fusões ao de cartéis. O objetivo é não deixar os negócios privados esperando pelo sinal verde do governo. Pelas novas regras, as empresas terão de aguardar pelo aval do Cade.

As fusões simples (sem impacto no mercado) nem serão submetidas à aprovação dos sete conselheiros do Cade, como ocorre hoje. Um único despacho assinado por um superintendente-geral dará o aval aos negócios em até 30 dias. E nas fusões complexas, onde a estimativa de julgamento é de até 130 dias, os conselheiros poderão autorizar liminarmente o negócio.

O conselheiro-relator poderá, por exemplo, reconhecer a fusão, mas determinará que as empresas mantenham estruturas de funcionamento separadas até o julgamento final. Assim, a empresa não perde a sua aquisição para uma concorrente que, sabendo da notificação ao Cade, poderia fazer um preço melhor. Mas, terá de esperar pelo julgamento final para, de fato, ser dona da companhia que adquiriu.

As empresas poderão notificar as suas fusões e aquisições pela internet. O tempo de análise das fusões e o número de guichês que as empresas percorrem para obter a aprovação de seus negócios também serão reduzidos. A lei atual (nº 8884, de 1994) prevê 120 dias para o julgamento de fusões por três guichês diferentes. São: 30 dias para parecer da Seae, outros 30 dias para novo parecer, desta vez da SDE, e mais 60 dias para o Cade julgar. Hoje, todos estes prazos podem ser interrompidos sempre que um dos três órgãos pede informações às empresas sobre os negócios. Com isso, algumas aquisições demoram anos para serem julgadas. O projeto em discussão na Câmara estabelece um único guichê para a análise de fusões e aquisições: o novo Cade.

Serão contratados 200 novos gestores para o novo Cade justamente para evitar a demora na aprovação de fusões. O Cade também receberá parte da estrutura da SDE - todo o Departamento de Proteção e Defesa Econômica, onde são analisadas fusões e cartéis será transferido. A Seae não fará mais pareceres ao Cade, mas estudos de promoção de concorrência para o Ministério da Fazenda.

Também será mais barato notificar fusões ao governo. Hoje, as empresas pagam R$ 45 mil para os três guichês analisarem cada negócio que realizam no mercado. Agora, a taxa processual será de R$ 15 mil, pois a análise será por um único órgão. Quanto aos cartéis, além da multa de 1% a 30% do faturamento das empresas, já prevista hoje, haverá outra multa de até R$ 2 bilhões para sindicatos, pessoas físicas e organizações empresariais que participarem de cartéis.

"O projeto faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a nossa idéia e votá-lo em agosto no plenário da Câmara", afirmou ao Valor o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), relator do texto. O presidente da Comissão Especial do Cade na Câmara, deputado Cláudio Vignatti (PT-SC), afirmou que o objetivo do novo texto é simplificar os procedimentos e, com isso, ajudar na promoção de investimentos no Brasil.

Os deputados acreditam que o novo texto responde às principais críticas dos advogados que atuam no Cade: o excesso de poderes na Superintendência-Geral e o receio de as empresas esperarem muito tempo para concretizar as suas aquisições. Vignatti disse que tanto as empresas quanto os conselheiros do Cade poderão pedir a revisão dos atos da Superintendência, sejam eles favoráveis ou contrários às fusões. "O superintendente terá o poder de dar o canetaço, mas haverá possibilidades de recursos pelas empresas e de avocação dos processos pelos conselheiros", explicou o petista.

"O superintendente-geral ficará bastante imponderado", ironizou Ciro Gomes. O relator ressaltou que o texto atual pode ser alterado e sugestões são bem-vindas até a data da votação na Comissão Especial, prevista para 7 de agosto. "Será bom se recebermos críticas e sugestões durante o recesso", disse.

O novo texto também trata de outro ponto polêmico: a possibilidade de o Cade fazer acordos com as empresas para encerrar processos de cartel. Pelos acordos, as empresas que fizeram um cartel antecipam o pagamento de multa e o Cade encerra o processo contra elas. Alguns advogados acreditam que nenhum acordo será assinado caso as empresas tenham que reconhecer a culpa pelo cartel, pois seus administradores correriam o risco de um processo criminal.

Ciro esclareceu que, nestes acordos, as empresas terão sim de reconhecer a culpa, mas apenas na esfera econômica e não na penal. Outra novidade é que o líder do cartel poderá entrar no programa de leniência, pelo qual a empresa que denunciar um cartel do qual participe recebe redução de pena. O líder está, hoje, fora do programa de leniência do governo.

O projeto altera os critérios para a notificação de fusões. Hoje, qualquer empresa que fature mais de R$ 400 milhões ou que possui mais de 20% do mercado deve apresentar os seus negócios ao Cade. Por isso, qualquer aquisição da Gessy Lever, da Microsoft ou de qualquer grande empresa acaba parando no Cade. Isso enche o órgão de processos irrelevantes e induz à burocracia. O novo texto mantém o faturamento de pelo menos R$ 400 milhões de uma das empresas envolvidas no negócio, mas inova ao prever que a outra empresa deve faturar pelo menos R$ 30 milhões. Com isso, será preciso que as duas empresas envolvidas no negócio sejam milionárias para que ele seja notificado ao Cade.

Já o critério de 20% do mercado sairá da lei, pois o Cade entende que não existe um percentual cabalístico capaz de auferir problemas de competição no mercado. Fusões envolvendo mais de 70% do mercado (como a criação da Ambev) já foram aprovadas e outras envolvendo menos de 60% (como a Nestlé-Garoto) foram rejeitadas. Logo, para o Cade atual, não é a participação de mercado que define se a fusão é prejudicial à concorrência, mas outros fatores, como a competição com importações e a relação com distribuidoras e fornecedoras de produtos.

Os mandatos dos conselheiros serão ampliados de dois para quatro anos, mas não será permitida recondução, como ocorre hoje. Essa regra não valerá para os atuais conselheiros; apenas para os indicados após a aprovação da lei.

A nova legislação do Cade está em discussão desde o segundo mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso. O governo FHC não chegou a um consenso porque os ministérios da Fazenda e da Justiça perderiam parte da Seae e da SDE com um novo Cade. Agora, tanto Guido Mantega quanto Tarso Genro concordaram com a reestruturação dos órgãos.