Título: Crise energética argentina reduzirá PIB e exportações
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2007, Internacional, p. A11

Os bons resultados da balança comercial da Argentina estão ameaçados pela crise energética que o país está vivendo. Por causa das restrições no abastecimento de energia, os economistas locais já estão revisando para baixo a projeção de superávit comercial e também os indicadores de atividade econômica e de investimento fixo, fundamentais para sustentar os índices de crescimento.

Para os economistas Jorge Vasconcelos, da Fundação Mediterrânea, e Maximilian Scarlan, da Abeceb.com, o saldo comercial do país deve cair US$ 1 bilhão em 2007, comparado a 2006. No ano passado, o superávit atingiu US$ 12,746 bilhões dos quais US$ 5 bilhões vieram do comércio externo de combustíveis e energia.

Parte do resultado da conta de combustíveis vinha das vendas de gás natural ao Chile, com o qual o país mantém um acordo bilateral de venda de 20 milhões de m3 por dia. Para atender a demanda interna de gás, que cresce a mais de 20% ao ano, desde maio o governo argentino vem reduzindo o suprimento de gás ao Chile para menos de 10% do contrato. Ontem, pelo menos até o início da noite, o fornecimento foi cortado a zero.

Além disso, a Argentina está importando 400 MW a mais de eletricidade do Brasil e 80 MW do Paraguai. O governo brasileiro já avisou que esta energia adicional vai custar mais caro, já que a fonte da qual pode dispor é mais dispendiosa. "O superávit [da conta de combustíveis] está se fechando", alerta Vasconcelos.

Por outro lado, a Argentina ainda ganha muito com a exportação de petróleo, graças à manutenção de preços elevados no mercado internacional, pondera Scarlan. Ele acha que a queda em combustíveis não será tão grande, poderá ficar em US$ 500 milhões ou menos, mas vê uma redução mais forte do superávit por conta do aumento das importações, inclusive de máquinas para geração de energia própria compradas pelas empresas.

Para não aborrecer seus eleitores há quatro meses da eleição que pode levar sua mulher à Presidência, o presidente Néstor Kirchner mandou cortar o suprimento de eletricidade e o de gás das indústrias por oito horas diárias, desde que o frio chegou com mais força ao país, no mês passado. Dessa forma, evitou reduzir o fornecimento de energia para residências.

Ainda não se conhecem os números exatos da paralisação das indústrias por conta desta medida. Mas a maioria dos economistas já está revendo suas projeções para outros indicadores importantes da economia. Mensalmente, o Banco Central (BC) argentino ouve a opinião de quase 50 especialistas, entre consultorias, bancos, corretoras, fundações e centros de estudos e universidades, sobre suas estimativas macroeconômicos. Na última pesquisa, feita em junho, a média das estimativas para o Produto Interno Bruto (PIB) do país para 2007 baixou de 7,9% para 7,5%, entre o segundo e o terceiro trimestre do ano. Também foi prevista uma redução do PIB para o ano que vem, para 6,2% comparado a 7,7% em 2007 (em 2006 o PIB foi de 8,5%).

A taxa de investimento bruto fixo comparada ao PIB foi reduzida de 14,4% para 13,4% entre o segundo e o terceiro trimestres de 2007, enquanto a média para 2008 despencou em relação a 2007, de 14,3% para 11,9%.

Por causa do corte de energia às empresas, o economista Aldo Abram, sócio da consultoria Exante, que já tinha revisto a estimativa para o PIB este ano de 7,5% para 7%, acha que poderá que refazer os cálculos em breve, para baixo. Já o economista chefe do Banco Santander Río, Juan Arranz, não é tão pessimista e, por enquanto, mantém sua projeção para o PIB de 2007 em 8%, número que poderá ser revisado quando saírem os dados da produção industrial de junho e julho.

Para Arranz, embora a falta de energia esteja afetando muitas empresas, o grande motor da economia argentina hoje são o agronegócio, as indústrias automotiva, de cimento, construção e financeira, que não foram tão afetados pela crise e continuam exibindo elevados índices de crescimento.

"Estamos preocupados [com a restrição energética], claramente há um problema", diz Arranz. Mas ele prefere esperar para ver como vai ficar o clima. "Passamos por muito frio, baixa nos reservatórios das hidrelétricas que impede gerar eletricidade, mas ainda não está claro como vai ficar o clima. Então mantemos nossa estimativa."

Apesar de o governo Kirchner sustentar publicamente a defesa dos chamados "superávits gêmeos" - das contas fiscais e externas - como lastros inamovíveis do modelo econômico do país, os economistas desconfiam que estes pilares estão afundando na areia com a crise energética.

Além da ameaça de deterioração das contas externas, o superávit fiscal gera desconfianças. A concessão de pesados subsídios para manutenção dos preços congelados de combustíveis, transportes públicos, alimentos e tarifas telefônicas colocam em dúvida a capacidade de economia do governo argentino. Em 2006, as contas fiscais ficaram positivas em 4,4% do PIB.

A matriz energética do país está baseada em 50% no gás e outros 40% no petróleo, informa o economista e ex-Secretário de Energia, Daniel Montamat. O consumo argentino de gás é de 116 milhões de metros cúbicos, em média por dia. Desse total 31 milhões de m3 são consumidos por centrais elétrica, o que corresponde quase à totalidade do consumo das indústrias. No racionamento atual, e para evitar o corte de gás às residências, o governo cortou também o abastecimento de gás às centrais elétricas, que tiveram que usar diesel para mover seus geradores.

A diferença de preço foi coberta pelo Estado. Também foi subsidiada com dinheiro público a equiparação dos preços entre o gás e a gasolina prometida aos taxistas, que viram o gás ser suspenso das bombas dos postos nesta semana. "O fisco cobre toda a diferença", afirma Vasconcelos da Fundação Mediterrânea. Segundo cálculos dos especialistas, só a Cammesa (estatal responsável pelo gerenciamento da energia elétrica no mercado atacadista) vai levar este ano 4,5 bilhões de pesos em subsídios, praticamente o dobro do que consumiu no ano passado.