Título: Começa a disputa pelas obras do rio Madeira
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Fonte: Valor Econômico, 13/07/2007, Opinião, p. A12

A era dos grandes projetos de energia na Amazônia começa com o licenciamento prévio das usinas hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, no rio Madeira. A aprovação prévia do Ibama não encerra as grandes divergências existentes entre ambientalistas, empresas e governo há anos. Ela indica, porém, que se a maior parte do potencial de fornecimento de energia com base em recursos hídricos está na Amazônia, será inevitável aproveitá-los - espera-se que com o mínimo possível de danos ecológicos.

Há um longo caminho até que as usinas iniciem o fornecimento e os obstáculos nada têm a ver com os bagres. Pretende-se iniciar a licitação em outubro sem que um item importante de custo esteja definido, o da compensação ambiental. Não são cálculos triviais, embora sejam motivo de divergências entre escalões do governo. O custo começou com 0,5% do valor da obra, mas o governo resolveu estabelecer metodologia para chegar-se a uma taxa até agora ignorada. O Ministério das Minas e Energia defendeu 1%, o do Meio Ambiente, 3%, e o presidente Lula teria arbitrado 2%. A decisão continua informal e sujeita a ventos e tempestades. A variação de 0,5% para 2% no custo ambiental significa desembolso entre R$ 125 milhões e R$ 500 milhões, diferença expressiva e que influi nos preços da licitação.

Sejam quais forem as estimativas de custo, as duas usinas mais as linhas de distribuição serão as obras que movimentarão maiores recursos na história das licitações do país desde a construção de Itaipu, em meados dos anos 70. As obras do Madeira terão um custo previsto que varia de R$ 20 bilhões a R$ 25 bilhões. A previsão para os gastos com a transmissão gira entre R$ 6,5 bilhões e R$ 9 bilhões. Se licitações de muito menor vulto tendem a gerar grandes e demoradas batalhas judiciais, pode-se imaginar o que ocorrerá se todo o processo, desde o início, não for executado com a maior transparência.

Há temores a este respeito. Uma guerra de bastidores está em andamento. Ela começou bem antes de as licenças ambientais prévias terem sido concedidas. Na prática, as obras não saem sem a participação estatal, da Eletrobrás, e, especialmente, de Furnas. Ocorre que o projeto das hidrétricas do Madeira nasceu da iniciativa da Odebrechet, que bancou todos os estudos e desde o início fez parceria com Furnas para levar adiante a idéia. Essa aliança estaria inclusive selada por um contrato que garantiria que a estatal participaria do leilão em consórcio com a Odebrechet. Ocorre que, quando passou de uma idéia ambiciosa a um projeto com real possibilidades e , mais que isso, passou a obra essencial para tirar o país do risco de apagão em poucos anos, setores do governo viram nessa parceria uma desvantagem, porque ela já definiria de antemão o resultado da concorrência e afastaria potenciais candidatos.

Por isso o Ministério das Minas e Energia aventou a hipótese de proibir a participação das estatais na primeira etapa do leilão - Furnas, mais o BNDES, entrariam apenas depois de definido o consórcio vencedor, com participação de até 49%. A disposição de ampliar o arco de candidatos, após este aceno do governo, parece ter sido bem-sucedida. Já há dez grupos interessados, desde construtoras como a Camargo Corrêa até a multinacional Suez Energia (que vai concorrer sozinha) e a Vale do Rio Doce.

Mas o governo não tomou nenhuma iniciativa em oficializar, por escrito, essa proibição, o que indica que não há decisão final sobre o assunto. Assim, a preparação da licitação da usina de Santo Antonio corre contra o relógio em meio a grandes incertezas. Não ajuda em nada o processo o fato de um ar de interinidade cercar o ministro da Energia, Nelson Hubner, e Furnas estar acéfala.

É recomendável a esta altura que as regras do jogo sejam apresentadas rapidamente. É preciso que os termos do contrato assinado entre Furnas e a construtora sejam de conhecimento público. Em nenhum momento o governo nega a existência do contrato, mas tampouco o confirma. Depois da novela para as autorizações ambientais, a construção das hidrelétricas do Madeira agora está sendo freada por uma resistência do governo em pôr as cartas na mesa.