Título: O regime de metas de inflação em 'Lulalândia'
Autor: Moura, Alkimar
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2007, Opinião, p. A12

Difícil, dura mesmo, deve ser a vida de um "copomista", os economistas que se dedicam a prever as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central na implementação da política monetária e no regime de metas de inflação. Versão cabocla dos chamados "Fed watchers" - os analistas que tentam explicar as medidas passadas e prever as decisões futuras do Banco Central norte-americano -, os "copomistas" debruçam-se sobre todos os sinais explícitos ou implícitos emanados da autoridade monetária, para tentar prever os rumos da taxa Selic, a principal variável operacional utilizada pelo Copom para manter a taxa de inflação dentro do intervalo de metas pré-aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Para bem executar tal tarefa, os "copomistas" usam o arsenal de conhecimentos disponíveis, desde elaborados modelos econométricos de previsão da economia até análises minuciosas dos documentos produzidos pelo Banco Central, como notas, atas, relatórios de inflação, declarações dos diretores e assim por diante. Em alguns casos, o exercício se assemelha à uma discussão escolástica sobre o verdadeiro significado de algumas expressões contidas nas atas e/ou nas notas divulgadas após as reuniões. Conhecimentos de lingüística e de análise de texto se tornam tão importantes quanto a capacidade de interpretar os resultados fornecidos pelos modelos. Lembre-se o leitor de quantas páginas foram escritas, na grande imprensa norte-americana, para tentar extrair o verdadeiro sentido da expressão "at a measured rate" que o Federal Open Market Committee (o Copom norte-americano) incluía, nas notas divulgadas após as reuniões, para sinalizar a velocidade de ajuste na taxa básica de juros.

Se, no Brasil, a vida já era difícil para os profissionais especializados nos rituais de política monetária, imagine-se agora com a inovação anunciada na última reunião do CMN. Como se sabe, o resultado dela foi a fixação de uma meta formal de 4,5% para 2009, seguida de uma explicação "verbal" de que o Banco Central poderia mirar uma taxa de 4% para aquele ano. O argumento para a taxa de 4,5% é certamente um primor de falta de lógica econômica: uma inflação mais alta (que provavelmente não será alcançada, olhando a experiência recente), deverá dar maior folga ao Banco Central para a continuidade de redução da taxa nominal de juros. De outro lado, supõe- se que uma meta mais apertada levará o Banco Central a ser mais comedido na redução da taxa básica de juros.

A decisão lembra a de um cartola de futebol que tenha ordenado aumentar a trave da equipe adversária em meio metro para cima e, ao mesmo tempo, tenha instruído seus atacantes a mirar o tamanho da trave original. No entanto, qualquer gol no adversário é válido, independentemente da metragem da trave. Ou seja, o Banco Central terá cumprido suas metas se os resultados da inflação de 2009 ficarem dentro do intervalo de mais ou menos 2% do centro de ambas as metas: 4,5% ou 4%. Note-se que a meta tem permanecido em 4,5% desde 2005 e que a taxa de inflação observada tem ficado abaixo daquela meta, estando hoje ao ritmo de 3,7% nos últimos 12 meses. Desta forma, a meta de 4,5% parece redundante, dado o nível observado de inflação.

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Entre as virtudes do regime de metas, os especialistas citam a transparência e facilidade de comunicação dos objetivos e resultados junto ao público em geral: fixa-se uma meta de inflação para dois anos à frente, delega-se ao Banco Central o mandato para atingir a meta, disponibilizam-se informações para monitorar a atuação dele e estabelecem-se sanções para o não-cumprimento da meta. Embora tais sanções no caso brasileiro sejam frouxas, o importante é que, desde 1999, o regime tem funcionado razoavelmente a contento, embora com alguns ajustes pontuais nas metas em dois períodos.

A última reunião do CMN foi pródiga em ruídos e avarenta na provisão de informações aos agentes econômicos sobre as metas que o Copom deverá perseguir até 2009, exatamente o que não se espera do regime de metas. E esses ruídos já custaram ao Tesouro alguns bilhões de reais a mais, no giro da dívida mobiliária, como informado pela imprensa, ao comentar a elevação da taxa de juros nos leilões competitivos realizados por aquele órgão.

O Brasil tem uma tradição de desorganizar qualquer regime de política monetária: o de agregados monetários nas décadas de 60 e 80 e o de bandas cambiais, entre 1995 e 1999. Será que o atual regime de metas terá idêntico destino? Os "copomistas" e os outros mortais esperam que o ocorrido naquela reunião do CMN seja apenas uma recaída transitória de uma doença infantil dos heterodoxos no poder.

Alkimar R. Moura é professor das Escolas de Economia e de Administração de Empresas de S.Paulo, da FGV.