Título: Chavismo e oposição demarcam terreno
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Fonte: Correio Braziliense, 06/01/2011, Mundo, p. 25

Novo parlamento é inaugurado em tom de confronto. Governistas não estão mais sozinhos

Bastaram os primeiros discursos para os venezuelanos entenderem que na nova legislatura ¿ com presença nutrida da oposição, ausente desde 2005 ¿ a Assembleia Nacional venezuelana estará no centro da disputa entre o presidente Hugo Chávez e as forças contrárias. A presidente do parlamento anterior, 100% chavista, deu posse ao sucessor, um ex-guerrilheiro de 77 anos, e fez questão de afirmar que o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), presidido por Chávez, é maioria e tocará para a frente a ¿revolução bolivariana¿. Mas a minoria não se intimidou, nem mesmo diante da vigência da lei que permitirá ao presidente legislar por decreto nos próximos 18 meses, e respondeu lembrando que, embora tenha conquistado menos cadeiras, recebeu mais votos na última eleição.

Desde ontem, a Assembleia Nacional terá 98 deputados do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e 67 de formações opositoras ¿ uma minoria de 40%, o suficiente para obstruir emendas à Constituição. Em um país dividido politicamente em duas partes irrenconciliáveis, os opositores fizeram questão de marcar seu regresso à vida legislativa com uma marcha para a sede do parlamento. E o tom de confronto marcou a sessão inaugural desde os primeiros pronunciamentos.

¿Temos 98 deputados. A maioria vai continuar o projeto bolivariano que o pai da pátria empreendeu, até alcançar a completa soberania e independência¿, discursou a ex-presidente da casa, Cilia Flores, aclamada pelos correligionários a gritos de ¿somos maioria¿ e ¿não voltarão¿. ¿Se vocês dizem `não voltarão¿, quero dar-lhes uma notícia ruim: voltamos com 52% dos votos¿, respondeu o opositor Richard Blanco. ¿Vocês dizem que são maioria, mas só aqui, não nas ruas¿, acrescentou Alfonso Marquina, sob vaias da bancada chavista e gritos de ¿assassinos¿.

A posse dos novos deputados teve como pano de fundo a lei aprovada nos últimos dias da legislatura anterior para dar a Chávez o poder de legislar por decreto durante 18 meses sobre questões muito diversas. Segundo os deputados da oposição, a Lei Habilitante os priva de suas atribuições, embora a situação garanta que continuará propondo leis. Em dezembro, a Assembleia Nacional aprovou em caráter de urgência mais de 20 leis, entre elas a reforma das telecomunicações, a de responsabilidade social nos meios eletrônicos, a do setor bancário e a do poder popular.

Na noite de terça-feira, Chávez vetou uma das leis incluídas nesse pacote, referente às universidades. O texto foi criticado pela oposição por violar a autonomia acadêmica, e o presidente admitiu que ela seria inaplicável na forma atual. ¿É preciso pedir ao povo que respeite todos os deputados, porque foram eleitos, mas, isto sim, que eles respeitem as regras do jogo. Senão, não poderá haver jogo sem guerra¿, advertiu.

Enquanto os deputados estreavam, centenas de governistas vestidos de vermelho comemoravam nas ruas a vigência da lei do poder popular. ¿O povo legislador é um instrumento para que o povo possa fazer as leis¿, disse o deputado chavista Earle Herrera. A pouca distância, partidários da oposição festejavam seu retorno ao parlamento. ¿Aguentamos cinco anos com uma Assembleia totalmente ¿vermelha¿. Agora, com 67 deputados de oposição, podemos ter esperança¿, disse a manifestante Maria Eugenia Escalona, de 67 anos.

Um milhão de amigos O presidente venezuelano arrancou gargalhadas dos ministros durante um ato oficial transmitido pela emissora pública VTV, quando falou sobre a crise aberta por sua recusa a receber o novo embaixador nomeado para Caracas pelos Estados Unidos. ¿Tomara que nomeiem agora Oliver Stone, ou Sean Penn, ou (Noam) Chomsky¿, sugeriu, listando celebridades americanas a quem recebeu na Venezuela. ¿Temos muitos amigos por lá¿, completou, incluindo na lista até o ex-presidente Bill Clinton.

Assédio à Petrobras Documentos da embaixada norte-americana em Brasíla, vazados pelo site WikiLeaks e publicados pela imprensa de La Paz, sugerem que Hugo Chávez encorajou o colega boliviano, Evo Morales, a encampar instalações da Petrobras, em 2006. Um telegrama enviado ao Departamento de Estado cita Marcel Biato, assistente do assessor internacional do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Marco Aurélio Garcia. ¿Biato disse que, em março de 2006, a Petrobras e funcionários bolivianos começaram o que pareciam ser discussões relativamente positivas. Entretanto, Evo suspendeu de forma repentina as negociações, insistindo que deveria discutir o tema diretamente com Lula¿, afirma o documento, de maio do mesmo ano.

¿Entre o início das discussões e a estatização, Biato observou que houve várias interações entre Evo e Chávez¿, prossegue o telegrama. ¿Agora está claro para o governo do Brasil que Evo foi incentivado a agir dessa forma depois que Chávez garantiu ajuda técnica a La Paz para produzir gás¿, caso houvesse ruptura com o Brasil.