Título: Brasil vai contestar na OMC subsídios agrícolas dos EUA
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 10/07/2007, Brasil, p. A5

O Brasil decidiu contestar os subsídios agrícolas dos Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC), como co-demandante numa disputa aberta pelo Canadá. O gesto pode ilustrar também uma menor expectativa sobre o futuro da Rodada Doha, negociação para liberalizar o comércio internacional. Depois de muita avaliação, o governo brasileiro resolveu não se contentar em ser terceira parte e pegar carona como observador. Preferiu ser participante ativo no contencioso e já começou a discutir a estratégia de atuação com os canadenses.

O país pedirá formalmente consultas com os EUA nos próximos dias. Mais tarde, junta seu pedido de instalação de painel (comitê de investigação) com o que foi solicitado pelo Canadá. O embaixador brasileiro na OMC, Clodoaldo Hugueney, destacou a importância do contencioso para os interesses do país como segundo exportador agrícola mundial.

A disputa focalizará programas e práticas agrícolas americanas que também foram questionadas por Brasília na disputa do algodão, em 2004. Ainda este mês, a OMC deve decidir se o Brasil será autorizado a retaliar produtos americanos, se julgar que Washington mantém medidas que continuam a afetar seriamente os produtores brasileiros do algodão, apesar da decisão de 2004.

O Canadá abriu a disputa contra os EUA recentemente, alegando que Washington excedeu o limite de US$ 19,1 bilhões de subsídios autorizados por ano e que alguns programas são claramente ilegais, como o que dá crédito à exportação. Os canadenses retiraram uma parte da denúncia, contra subsídios ao milho, que é usado para produção de etanol, porque o preço aumentou bastante nos últimos tempos, reduzindo a necessidade de ajuda governamental.

A decisão do Brasil de ser co-demandante ganha ainda mais relevância no atual estágio das combalidas negociações da Rodada Doha, onde o obstáculo central é a resistência de Washington de concordar com um limite aceitável nos seus subsídios domésticos que mais distorcem o comércio. Até recentemente, Brasília procurava acomodar a situação com os americanos, a fim de não provocar mais obstáculos nas negociações globais. Desde o fiasco da reunião de Potsdam, onde os EUA acusaram o Brasil de ter abandonado a mesa de negociação, o cenário mudou. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se diz otimista, mas já colocou a rodada nas mãos de Deus, segundo disse semana passada.

O G-20, coordenado pelo Brasil, se reuniu ontem com o mediador da negociação agrícola, Crawford Falconer, a quem apresentou todo o arsenal de propostas do grupo desde sua criação.

Nos últimos dias, surgiram mais análises na Europa considerando que a China é o fator-chave na hesitação de muitos países em continuar a Rodada Doha. Hugueney contesta essa versão. Nota que a competitividade chinesa é importante na área industrial, mas que o foco central da rodada é a agricultura, devendo passar de um lado pela redução dos subsídios americanos e de outro por mais acesso ao mercado na União Européia.

Miguel Rodriguez Mendonça, ex-vice-diretor da OMC, concorda. Avalia que o principal problema atualmente é a pouca ou quase nenhuma margem de manobra dos negociadores americanos, diante da situação política no Congresso.