Título: O direito de greve e seus efeitos no comércio exterior
Autor: Cordeiro, Mario
Fonte: Valor Econômico, 10/07/2007, Opinião, p. A14

Em fevereiro, auditores da Receita Federal fizeram dia de paralisação, com o objetivo de alterar a estrutura salarial da categoria, que tem como base a Gratificação de Incremento da Fiscalização e da Arrecadação (GIFA), cujo resultado prático foi provocar perdas para a sociedade brasileira.

O instituto da greve é direito mundialmente reconhecido nas democracias. Sua prática é forma de defesa dos empregados, diante do empregador, que dispõe de poderes unilaterais para arbitrar salários, estabelecer condições de trabalho e demitir a qualquer momento. A greve, nessas circunstâncias, é a preservação do direito de negociação e de defesa. Por isso, é assegurado na Constituição, ressalvados limites para evitar danos à lei e à ordem pública.

A Constituição conferiu esse direito também ao servidor público, dispondo que "o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica", regulamentação que nunca ocorreu. Portanto, as greves dos funcionários públicos devem ser discutidas à luz do direito e do ponto de vista da sociedade. Do direito, quanto à legalidade, e da sociedade, quanto à pertinência e ética, por afetarem os interesses do país e atingirem setores sensíveis.

A greve, no setor privado, causa prejuízo específico ao empresário, em termos de faturamento e compromissos, passíveis de recuperação à posteriori. No setor público, porém, afeta a sociedade como um todo, causando danos, normalmente, irrecuperáveis. Os servidores públicos não são passíveis de demissão, como no setor privado, por gozarem de garantia da estabilidade no emprego, seja qual for o prejuízo às pessoas, à sociedade e ao país. Mesmo em caso excepcional, passível de demissão, dificilmente um juiz deixará de acatar e "determinar" a readmissão do servidor. É uma atitude cultural e ideológica específica ao Brasil.

Reivindicar ou reclamar é direito de qualquer cidadão, grupo ou classe social. Mas, paralisar a fiscalização de mercadorias na exportação e na importação, serviço essencial, que só pode ser efetuado ou prestado por servidor público, é ato discutível. Em especial, porque esses funcionários são os designados para "controlar" o comércio exterior nos portos, aeroportos e pontos de fronteira.

Segundo dados disponíveis na tabela ao lado, ocorreram paralisações, cujo mérito reivindicatório não nos cabe discutir, causam prejuízos à exportação por: 1) induzir ao rompimento de contratos, com perda de mercado e efeito interno sobre a produção e o emprego; 2) atrasar o fornecimento contratado, que é punido por cancelamento da encomenda ou multa contratual, com perda de receita cambial para o país; 3) afetar a imagem do país como fornecedor confiável, levando à perda de vendas e/ou aviltamento nos preços; 4) elevar custos de logística, pela paralisação de caminhões e armazenagem por demasiado tempo; forçar o aumento de fretes marítimos, devido à espera dos navios etc. Enfim, resultam em perda de competitividade sistêmica.

-------------------------------------------------------------------------------- Greves neutralizam parte importante do esforço de construir uma imagem externa de parceiro confiável mundialmente --------------------------------------------------------------------------------

Os prejuízos na importação decorrentes das greves são: 1) encarecer o produto importado; 2) provocar o rompimento do contrato externo, com pagamento de eventuais multas; 3) atrasar o programa de produção das empresas, com efeito sobre os custos e preços; 4) desabastecer o mercado interno de produtos essenciais, sobretudo, alimentos e medicamentos, fundamentais à vida humana; e 5) causar a deterioração de produtos.

Esses são os prejuízos mais visíveis causados pelas greves de servidores públicos lotados em áreas relacionadas ao comércio exterior. Os prejuízos escondidos decorrem, entre outros, dos custos advocatícios e judiciais incorridos pelas empresas e/ou associações de classe ao buscarem em juízo a liberação de suas cargas na importação e na exportação. A experiência adquirida nas últimas greves mostra que o ganho obtido na Justiça é parcial, em razão de a ordem judicial não poder determinar o desembaraço das mercadorias, mas tão somente que o servidor compareça ao trabalho para dar curso ao despacho aduaneiro, o que não resolve os problemas do setor produtivo.

Do ponto de vista da sociedade, segundo padrões de pertinência e ética, cabe afirmar que as greves causam prejuízos ao país, com importante efeito negativo sobre o desenvolvimento econômico e social, por afetar a produção; o emprego; a geração de renda e bem-estar social. Além do mais, neutraliza parte importante do esforço, do próprio governo, para construir imagem externa de parceiro confiável no contexto mundial.

À bem da verdade, as liberdades inerentes às democracias não podem ser violentadas por conceitos discutíveis de legalidade, indisciplina de comportamento ou omissão das autoridades constituídas.

Na falta de regulamentação do direito de greve de servidor público, é fundamental a regulamentação dos artigo 9º e 10º da Lei nº 11.281, de 2006, visando a minimizar os custos financeiros, econômicos e sociais de controles que prejudiquem o ritmo normal de movimentação de mercadorias em portos, aeroportos e pontos de fronteira terrestre. Impõe-se que o Poder Executivo baixe norma de contingência, de modo a permitir o livre fluxo das cargas no comércio exterior.

Em situação de greve que afete o comércio exterior, cujo mérito reivindicatório, ressaltamos, não nos cabe discutir, a aplicação de regra de contingência é forma de destravar a economia.

Mario Cordeiro é consultor da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).