Título: O céu é o limite
Autor: Camba, Daniele e Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 10/07/2007, EU & Investimentos, p. D1

Quando se vê o céu de brigadeiro que foi o mercado acionário no primeiro semestre fica difícil acreditar que as ações reservem mais um semestre com gordos retornos. Mas é exatamente esse quadro que se prevê para a bolsa até o fim do ano. A melhora do cenário local e internacional foi tão acima do que se esperava que acabou surpreendendo até os analistas. Para se adaptar à essa nova situação, os profissionais estão revisando para cima as projeções para o Índice Bovespa. No início do ano, a maioria projetava o índice entre 50 mil e 55 mil pontos em dezembro. Agora, a média subiu para um intervalo entre 60 mil e 62 mil pontos. Há quem acredite que o índice pode chegar a 70 mil pontos em 12 meses, algo inimaginável há seis meses.

"O mercado tinha previsões conservadoras que acabaram não se confirmando, o mundo nos surpreendeu muito, e positivamente", diz o diretor de renda variável do Banco Itaú Walter Mendes. Externamente, as projeções eram de que o Índice Standard and Poor's (S&P) da Bolsa de Nova York se valorizaria entre 6% e 7% este ano, os lucros das empresas americanas aumentariam em média 6,5%, o crescimento da economia mundial, que foi de 5,3% em 2006, cairia para 4,5% e que o PIB americano se desaceleraria, cita Mendes.

Mas nada disso está acontecendo. Muito pelo contrário, a realidade é bem melhor até do que as previsões mais otimistas. O S&P subiu 6% só até junho, os resultados das companhias americanas cresceram entre 9% e 19% apenas no primeiro trimestre. E, pelo andar da carruagem, a economia mundial tem tudo para continuar crescendo acima de 2006, enquanto que o PIB americano desacelerou no primeiro trimestre, mas já está se recuperando neste trimestre.

Os acontecimentos no mundo, bem melhores do que se previa, já se refletem nos próprios mercados, que vivem um momento positivo generalizado que há muito tempo não se via. No ano, até sexta-feira, dos 48 índices das principais bolsas no mundo apenas um está caindo, o da bolsa da Venezuela, que acumula perda de 22,95%.

Além do cenário externo benigno, a Bovespa está se beneficiando de uma melhora significativa da situação local, numa velocidade bem maior do que se imaginava. No começo deste ano, a maioria dos analistas acreditava que o risco-Brasil estaria em 160 pontos base (1,6 ponto percentual) no fim do ano, que a taxa básica de juros cairia até 12%, 12,5% ao ano, os lucros das empresas aumentariam entre 20% e 25% e o PIB brasileiro cresceria 4% este ano, na visão dos mais otimistas, lembra Mendes.

No entanto, assim como externamente, a realidade tem surpreendido positivamente. O risco-Brasil já está em 147 pontos, a taxa Selic está caindo mais rapidamente e o PIB agora está muito mais para 5% do que para 4%. Já os resultados das empresas devem crescer, em média, 35%, acredita Mendes. "O cenário local foi a cereja que faltava no bolo para a Bovespa deslanchar", diz Mendes, que tinha uma projeção para o Ibovespa em 56 mil pontos no fim do ano e agora acredita que o índice pode ultrapassar 60 mil, contanto que o risco-Brasil caia para os 120 pontos.

No início do ano, a Corretora Socopa projetava o risco-Brasil em 200 pontos no fim de dezembro, a Selic em 12% ao ano e o Ibovespa em 52.500 pontos. O risco-Brasil foi revisto para 160 pontos, a taxa básica para 10,75% e o Ibovespa, para 62.700 pontos. "A queda do risco e a aceleração dos cortes da Selic batem direto no custo de captação das companhias", diz o chefe de análise da corretora, Daniel Doll Lemos. Fundamentos à parte, o fato de o Ibovespa já ter alcançado as projeções para o fim do ano também leva os analistas a reverem suas contas. "No início do ano, alguns profissionais já podiam até achar que o Ibovespa furaria os 60 mil pontos, mas se sentem seguros para dizer isso apenas à medida que a valorização vai se concretizando", diz o sócio da Hedging-Griffo Ricardo Campos.

Além dos números crus, a possibilidade cada vez mais próxima do Brasil ganhar o selo de grau de investimento também é um empurrão importante para a melhora das projeções. A entrada do país no seleto grupo de nações consideradas seguras para se investir atrai recursos de estrangeiros que não podem aplicar em países que não possuem o selo. Isso por si só já é suficiente para garantir a tendência de alta na Bovespa. "No início do ano, a idéia de que o Brasil seria grau de investimento não estava tão clara", diz o economista da Infinity Asset André Ng. "À medida que isso ficou mais nítido, a bolsa foi subindo e as projeções também", afirma. A asset tinha uma projeção para o Ibovespa entre 55 mil e 60 mil pontos para o fim do ano e a aumentou para um intervalo entre 58 mil e 61 mil pontos.

A situação privilegiada do Brasil frente a outros países emergentes se traduz em números. Mendes, do Itaú, lembra que o Ibovespa subiu no primeiro semestre 12,5% acima da média das bolsas emergentes (ver gráfico). "E não subiu mais porque a enxurrada de ofertas públicas levou mais de R$ 14 bilhões para as novas ações, reduzindo o apetite pelos papéis que já estão no pregão", diz Mendes. O mesmo ocorreu com o risco-país. No fim do ano passado, o risco-Brasil era 15% acima do risco médio dos emergentes e hoje é 10% menor.

Outra instituição que subiu sua expectativa para o Ibovespa foi a Unibanco Asset Management (UAM). A projeção para 12 meses saiu de 57.500 pontos em maio para 62.500 no fim de junho. O motivo, explica Ronaldo Patah, responsável pela área de renda variável, é a melhora dos resultados apresentados pelas empresas e da economia brasileira. "Temos uma planilha que vai atualizando automaticamente a projeção à medida que as empresas vão soltando resultados ou mudamos as premissas do cenário macro", explica.

Patah arrisca uma estimativa para o fim do ano: o Ibovespa deve ficar próximo dos 60 mil pontos. Ele admite que o ganho até lá não deve ser tão grande - 6,3% ante o fechamento de sexta-feira, para um retorno da renda fixa na casa dos 5%. "Mas há excelentes oportunidades fora do índice, várias estratégias e fundos que podem bater o indicador", lembra. No mês passado, o risco do mercado parecia ter subido com os problemas com hedge funds e a incerteza com inflação nos EUA. "Mas o fato é que a liquidez continua muito forte, os dados dos EUA mostram inflação comportada e o crescimento segue razoável", afirma Patah.

A queda no risco-Brasil levou a Ativa Corretora a também subir a projeção para o Ibovespa, de 53.400 pontos para 58 mil no fim do ano, explica a analista chefe Mônica Araújo. "Revimos de 300 pontos base para 220 pontos, o que dá um ajustezinho."

Os analistas não descartam a possibilidade de nuvens nesse céu de brigadeiro do mercado. Só que acreditam que, por enquanto, elas podem no máximo provocar uma chuvinha rápida, bem longe de uma tempestade de outros anos.