Título: Bolívia se rende à necessidade de investimento estrangeiro
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Fonte: Valor Econômico, 16/07/2007, Internacional, p. A10

A Bolívia desistiu de se fiar nas promessas de ajuda da Venezuela e, pressionada pelos constantes requerimentos de maior fornecimento de gás, resolveu "bater na porta de todo o mundo" atrás de financiamento para seu setor de hidrocarbonetos. Analistas dizem, entretanto, que mesmo que esses financiamentos apareçam - o que é improvável no curto prazo -, dificilmente o país andino dará conta dos pedidos dos vizinhos.

Os investimentos na exploração de gás despencou depois das nacionalizações e revisões de contrato levadas a cabo pelo presidente da Bolívia, Evo Morales. Os planos de usar o apoio venezuelano ainda não se concretizaram. Em maio do ano passado, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez prometeu mais de US$ 1,5 bilhão em novos investimentos para exploração e construção de refinarias, mas os fundos não chegaram.

Segundo a Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos, que reúne os produtores privados, os investimentos no setor caíram de US$ 650 milhões em 2002 para US$ 120 milhões no ano passado.

Para tentar resolver essa falta de fluxo de investimentos, Evo Morales programou uma viagem em agosto para países como Rússia, Irã, Qatar, Argélia e Líbia, atrás de sócios para a estatal de energia boliviana YPFB.

"O governo [boliviano] se deu conta de que precisa de investidores estrangeiros, mesmo que não os queira", disse o analista do setor de gás e petróleo e ex-ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia Carlos Alberto Lopez. "A Venezuela se mostrou um grande desapontamento para eles e agora estão batendo na porta de todo o mundo", afirmou o analista, que vive em Santa Cruz.

O vice-presidente boliviano, Álvaro Garcia Linera, reconheceu na semana passada que os investimentos totais no país caíram de US$ 1 bilhão em 2000 para US$ 270 milhões em 2006. Os investimentos estrangeiros no primeiro trimestre ficaram em apenas US$ 80 milhões, disse. Linera entretanto não acha que o país deva mudar seu curso, no que tange à busca de novos investimentos. Para ele, a Bolívia está seguindo uma estratégia econômica que usa "os melhores aspectos" dos modelos de mercado livre e de protecionismo.

A Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos disse, em um relatório, ver com bons olhos as iniciativas de atração de investimentos, principalmente na "garantia que promete à seguridade jurídica [dos investidores]".

Mesmo com o otimismo da CBH, a situação política no país não contribui para a imagem de estabilidade que o governo quer criar: uma polêmica que envolve a Constituinte, que teria até agosto para entregar a nova Carta do país, pode levar ao adiamento de seus trabalhos. A própria Assembléia prorrogou sua vigência até dezembro, mas não se sabe se ela teria poder para isso.

O resultado da Constituinte deve dar as linhas da autonomia pretendida pelos Estados que são grandes produtores de gás. "Antes da definição do arcabouço jurídico do país, muito dificilmente alguém se aventurará a investir pesado num setor tão visado quanto o de hidrocarbonetos", disse um diplomata brasileiro consultado pelo Valor.

Dizendo-se alheio a essa polêmica, o atual ministro de Hidrocarbonetos, Carlos Villegas, anunciou na sexta-feira que passou as últimas semanas em negociações com empresas estrangeiras, inclusive a Petrobras, para reduzir os "obstáculos" para os investimentos em exploração e produção de gás natural.

Enquanto não consegue novos investimentos, La Paz se vê na impossibilidade de cumprir a promessa de elevar a exportação de gás para a Argentina em 20 milhões de metros cúbicos diários até 2011 - atualmente, os contratos entre os dois países dizem que a Bolívia deve fornecer um mínimo de 4,8 milhões de metros cúbicos e um máximo de 7,7 milhões de metros cúbicos diários.

Analistas dizem que os envios hoje para a Argentina estão "muito próximos do mínimo" pactuado entre os dois países.

Carlos Ormachea, vice-presidente da divisão de energia do grupo argentino Techint, descreve os planos da Bolívia de aumentar o fornecimento para a Argentina para 27,7 milhões de metros cúbicos por dia como "possível, mas não provável".

Pressionado pela crise de falta de energia, o governo argentino pediu um aumento de fornecimento ao governo boliviano. "Há negociações para buscar um aumento da quantidade de gás" que se compra da Bolívia, disse o embaixador da Argentina no país, Horacio Macedo.