Título: Afinal prosperou o debate para reestruturar o Cade
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Fonte: Valor Econômico, 16/07/2007, Opinião, p. A12

O projeto de lei que reestrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, em tramitação no Congresso Nacional, representa um avanço do país na legislação que reprime o abuso do poder econômico. Tanto o texto do Executivo quanto o substitutivo do relator, deputado Ciro Gomes (PSB-CE), corrigem uma distorção da lei atual (nº 8884, de 1994), que determina que o julgamento de fusões e aquisições de empresas seja feito após a concretização do negócio. A proposta adapta o sistema ao que vigora em vários países do mundo, tornando obrigatória a aprovação prévia das fusões.

Se aprovada, a nova norma acabará com o sistema de três instâncias de decisão que operam hoje, transferindo os julgamentos da defesa da concorrência para um só guichê: o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que se tornará um tribunal e seus conselheiros passarão a ter mandato fixo de quatro anos, sem recondução.

Hoje, fusões e aquisições são julgadas depois de realizado o negócio entre as empresas e, em geral, esse é um procedimento que demora anos. Primeiro, o caso vai para a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (Seae), a quem cabe analisar se aquela transação causa danos à economia. Dali, é enviado à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE), que tratará da análise das questões jurídicas. Só então, o processo desagua no Cade, que julgará finalmente se o negócio poderia ter sido feito.

Não raro esses caminhos se tornam terreno fértil para os advogados e economistas elaborarem os processos e pareceres, adiando as decisões e causando incertezas e prejuízos às companhias envolvidas.

A proposta que deve ser votada em agosto, conforme cronograma do deputado Ciro Gomes, elimina duas instâncias: a da Seae, que continuará existindo mas como uma secretaria de assessoramento do ministro da Fazenda; e a da SDE, que será extinta, passando a funcionar como departamento de defesa do consumidor. E encolhe substancialmente os prazos.

Pelo projeto de lei, os processos serão divididos em dois blocos: as fusões simples, que não produzem nenhum impacto sobre a concorrência, deverão ser resolvidas em 30 dias à partir de um mero despacho do superintendente-geral, órgão que fará parte do novo Cade; e as fusões complexas, que representam concentração de mercado, terão que ser julgadas pelo Conselho em 130 dias. O texto do projeto, porém, falha ao não definir com critérios objetivos e claros o que se entende por aquisições "simples" e "complexas".

Haverá, ainda, um caminho intermediário, no qual os conselheiros poderão autorizar liminarmente a realização do negócio e, até que este seja efetivamente julgado, o conselheiro-relator poderá, por exemplo, reconhecer a fusão mas determinar que as empresas mantenham estruturas separadas de funcionamento até o julgamento final. Com isso, a empresa não corre o risco de perder a sua aquisição para uma concorrente que, sabendo da notificação ao Cade, pode fazer uma oferta melhor. Mas, para saber se é realmente dona da companhia sob aquisição, a empresa compradora terá que aguardar pela decisão final do Cade.

Há o receio de que a figura do superintendente-geral - que, pelo projeto, será nomeado pelo presidente da República e aprovado pelo Senado para cumprir mandato de dois anos com possibilidade de recondução - concentre poderes demais para decidir o que é fusão simples ou complexa, podendo aprovar com uma única "canetada" as primeiras. A proposta cria algumas salvaguardas para isso. As empresas podem recorrer ao Cade contra as decisões do superintendente-geral, e qualquer um dos sete conselheiros pode avocar para si um processo que estiver nas mãos do superintendente. Esse temor, porém, só reforça a necessidade de se ter critérios transparentes para distinguir uma coisa da outra.

A necessidade de reestruturação do Sistema de Defesa da Concorrência vem sendo defendida pelo governo e por especialistas desde o governo FHC, quando os ministros da Fazenda e da Justiça não conseguiram chegar a um consenso sobre a nova estrutura e a perda parcial de poderes com a extinção ou reformulação de suas secretarias. No governo Lula, o debate prosperou e, finalmente, pode-se ter um desfecho que, em última análise, vai beneficiar o consumidor.