Título: Câmbio, juros e ventos tropicais
Autor: Toledo, Joaquim de e Silva, Dejanir
Fonte: Valor Econômico, 16/07/2007, Opinião, p. A12

Um tema tem dominado o noticiário econômico recente: a atual apreciação cambial e os fundamentos que estariam por trás dela. Os movimentos do câmbio são fenômenos complexos, multifacetados, influenciados por variáveis internas e externas, financeiras e reais, tendo esta complexidade gerado diversos equívocos e aquecido debates sobre os reais efeitos do câmbio sobre a economia e, principalmente, como este seria influenciado pelas decisões da autoridade monetária. Um dos pontos mais controversos é determinar se o fortalecimento do real é fruto exclusivamente do saldo em transações correntes, puxado pela pujança da economia chinesa, ou se os juros também teriam um papel nesse processo. Um dos principais argumentos em favor da tese da irrelevância dos juros reside na constatação de que, apesar da queda recente da taxa de juros real no Brasil, o câmbio continuou a se apreciar, ao contrário do que alguns esperariam numa leitura direta da Teoria da Paridade da Taxa de Juros.

Em nossa opinião, o primeiro equívoco desse tipo de abordagem está em não se analisar a variável relevante que, neste caso, é o diferencial entre as taxas de juros interna e externa, considerando-se a taxa de risco soberano, como se discutirá a seguir. A taxa de juros real interna é obtida através do SWAP PRÉ/DI de um ano, deflacionado pela expectativa de inflação divulgada pelo BC. A taxa de juros de um ano é utilizada como proxy da taxa relevante, uma vez que taxas de períodos mais longos não apresentam condições de liquidez adequadas. A taxa de juros externa escolhida foi a do Treasury de dez anos, acrescida do spread de risco-país do Brasil. A taxa assim obtida foi escolhida pois é representativa da taxa de juros dos títulos brasileiros em dólar, que é o referencial adequado para se comparar com a taxa interna. Isto implica dizer que o investidor compara a taxa de juros dos títulos brasileiros em reais com a taxa de juros dos títulos brasileiros em dólar ao tomar a sua decisão de investimento que incorra em risco cambial.

Um comentário deve ser feito a respeito da utilização da taxa nominal dos treasuries, ao invés da taxa real de juros. A inflação americana é influenciada, principalmente, pelos "non-tradeables", bens e serviços que não são transacionados internacionalmente e, portanto, não deveriam influenciar o cálculo da rentabilidade real desses títulos. Como basicamente não há inflação sobre os bens comercializáveis, optou-se pela taxa nominal de juros. A taxa de juros em dólares do Brasil mostrou-se relevante para a determinação de outras variáveis de interesse, como o nível de investimento da economia. No entanto, a análise da relação entre essas variáveis fugiria ao escopo deste artigo.

O segundo equívoco é não incorporar à análise uma variável de suma importância num regime de "dirty-floating" como o brasileiro: a variação das reservas internacionais. A taxa real de câmbio é determinada, simultaneamente, pelo diferencial de juros e pela variação de reservas, e não apenas pelos juros, como em um regime de flutuação limpa. Portanto, o diferencial poderia causar tanto uma apreciação cambial, quanto um acúmulo de reservas internacionais (ou ambos). Como é (ou deveria ser) sabido, a variação de reservas é evidentemente um fator que afeta a taxa de câmbio, como demonstrado em modelos teóricos de "portfólio" com ativos que não são perfeitos substitutos.

-------------------------------------------------------------------------------- O investidor compara a taxa de juros de títulos brasileiros em reais e em dólar ao tomar a sua decisão de investimento --------------------------------------------------------------------------------

O papel destas variáveis fica claro quando se analisa a experiência recente do câmbio no Brasil. Dividimos os últimos quatro anos em quatro períodos, de acordo com o comportamento do diferencial de juros e da atuação do BC. No primeiro período (de mar/03 a set/03), vemos um diferencial de juros positivo, o que resultou na apreciação do câmbio e no acúmulo de reservas. No segundo (set/03 a ago/04), o diferencial médio de juros é negativo, levando à estabilidade do real e a uma perda de reservas. No terceiro e quarto períodos (de ago/04 a dez/05 e desta data em diante), vemos um grande diferencial de juros, mas resultados distintos sobre o câmbio e as reservas. Num primeiro momento, o câmbio sofre uma forte apreciação e vemos um leve acréscimo nas reservas; em seguida, o papel se inverte, e o câmbio se estabiliza e vemos um ritmo quase explosivo de acumulação de reservas.

A experiência recente reforça, portanto, a idéia de que a taxa de juros é relevante sim na determinação da taxa real de câmbio. Isto não implica a irrelevância de outros fatores. O superávit em transações correntes é certamente o fator mais relevante no processo de apreciação do real; ele influencia o câmbio tanto diretamente, devido ao maior ingresso de divisas, quanto indiretamente, ao reduzir o passivo externo líquido e, conseqüentemente, a percepção de risco do país, o que eleva o diferencial de juros e aprecia o câmbio (além do efeito sobre a taxa de câmbio futura de equilíbrio, pelo menor custo do passivo externo líquido).

A conclusão a que se chega é que, apesar da influência de outras variáveis, a taxa de juros também é relevante para se explicar corretamente os movimentos do câmbio. A estreita relação entre os juros e o câmbio é destacada tanto pela experiência internacional quanto pela teoria econômica e não seriam os nossos ventos tropicais que mudariam este fato.

Joaquim Elói Cirne de Toledo, Ph.D. em economia pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), ex-professor de economia da FEA/USP, é diretor da área de Gestão de Recursos de Terceiros do Banco Nossa Caixa.

Dejanir Henrique Silva é graduando do curso de economia da FEA/USP e funcionário da área de Gestão de Recursos de Terceiros do Banco Nossa Caixa.