Título: Lula planeja livro e instituto na volta ao ABC
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 16/07/2007, Especial, p. A14

Em quase todos os eventos em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparece no ABC ou encontro com sindicalistas, o ritual se repete: durante o discurso, identifica antigos conhecidos e começa a provocá-los. No quinquagésimo aniversário da montadora Scania, o presidente falou de "Lamparina", "um dos melhores jogadores de bola que conheci na vida". No Congresso dos Metalúrgicos, em Guarulhos, foi a vez do "Lira", "que me enchia o saco porque morava na frente da minha casa". No Congresso anterior, reclamou de não ver "Janjão" e Januário na platéia. Lembrou de "Chicotão" e Chicotinho", ao inaugurar a Universidade Federal do ABC, em Santo André e assim por diante.

Lula não esconde a nostalgia, mas quando voltar a morar em São Bernardo em janeiro de 2011 na condição de ex-presidente, como já anunciou publicamente, dificilmente voltará a conviver com os velhos companheiros de porta de fábrica. Segundo interlocutores do presidente, falta repertório em comum, depois da passagem pelo poder.

O futuro ex-presidente pode ter um destino parecido com o do seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso: escrever um livro e comandar um instituto destinado a preservar a sua memória e divulgar sua experiência de governo. Em paralelo, influenciar a condução do seu partido e colocar-se como opção presidencial futura . "Brincando, ele já disse que vai viver até os 100 anos. Pode ser candidato em 2014, 2018, 2022...", disse um interlocutor do presidente. Sempre sob reserva, amigos de Lula afirmaram que a possibilidade de se retirar da vida política está fora de cogitação.

A vida de ex-presidente não é um tema frequente nas conversas de Lula, mas uma das intenções que deixou escapar, segundo um interlocutor, foi a disposição de deixar por escrito as suas memórias no poder.

Logo após a reeleição em 2006, Lula recebeu a jornalista e historiadora Denise Paraná, autora em 1995 do livro "O filho do Brasil - De Luiz Inácio a Lula", uma biografia sustentada em depoimentos do presidente e de seus irmãos. Denise afirma contudo que o projeto mais imediato relacionado a Lula no momento é o filme sobre a vida do presidente ainda durante seu mandato.

A película será centrada na figura de Eurídice da Silva, ou dona Lindu, a mãe de Lula, falecida em 1981. "Será algo semelhante a 'Dois Filhos de Francisco", diz, referindo-se ao filme sobre a dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano, tendo o pai dos cantores como figura central da narrativa. O filme deverá ser produzido por Luiz Carlos Barreto.

Ainda este ano, é possível que Lula se reúna com os aliados e amigos que mantêm o Instituto Cidadania - a ONG que criou ao perder a sua primeira eleição presidencial - em estado de latência. Permanece no Instituto a assessora da presidência Clara Ant, ex-deputada estadual paulista e há dezesseis anos trabalhando diretamente com o presidente. Passará por Lula a decisão de reativar a instituição ou montar outra estrutura, ou até dois institutos.

Uma possibilidade é que se monte um espaço com um acervo dos registros de sua passagem pelo governo e que conte com equipamentos culturais , como biblioteca e sala para palestras. Será tomado o cuidado para que tal espaço não tenha o formato de memorial, como o mantido pelo ex-presidente e senador José Sarney (PMDB-AP) em São Luís. A outra vertente pode ser a da divulgação dos feitos do governo, com viagens pelo país e pelo exterior.

Clara Ant, o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, e o chefe do gabinete pessoal da presidência, Gilberto Carvalho, devem continuar a ter seus destinos ligados ao de Lula. Advogado com escritório nos Jardins e atuante na área da aviação, Roberto Teixeira deve permanecer na retaguarda. Hoje tem como cliente Fábio Luiz Lula da Silva, o filho de Lula dono da empresa Gamecorp; e recentemente auxiliou o caçula da família, Luiz Claudio Lula da Silva, a arrumar um estágio como preparador físico no São Paulo Futebol Clube.

Okamotto, Carvalho e Teixeira foram alvos de acusações entre 2004 e 2006 e terminaram tendo que depor na CPI dos Bingos, que encerrou seus trabalhos sem maiores consequências dos pontos de vista jurídico e político. Apesar do tiroteio, não perderam a confiança do presidente, que ainda demonstra apreço por Freud Godoy, o segurança que foi despedido em função da suspeita- não comprovada - de ter participado da compra de um dossiê contra o PSDB. A lista de pessoas próximas de Lula que se se deixam envolver em denúncias sempre cresce. Este ano, ingressaram o próprio irmão, Genival Inácio da Silva e Dario Morelli, que em 2004 compareceu à polícia para denunciar uma invasão de bandidos em "Los Fubangos", o sítio de Lula na área rural de São Bernardo do Campo. O último é investigado por suposto tráfico de influência.

Na roda de pessoas mais próximas de Lula está o empresário Laerte Demarchi, empresário e dono do restaurante de frango com polenta "São Judas Tadeu". É uma amizade cerimoniosa. Laerte e a esposa são parceiros de carteado com Lula e a primeira-dama, mas só o chama de "presidente". Diz nunca ter recebido a visita de Lula em sua casa. Quando foi internado com um problema cardíaco, dona Marisa telefonou, mas não ofereceu ajuda. Nem Demarchi pediu. "Desligo o ouvido na hora que ele atende um telefone ou conversa com outra pessoa . Lula não gosta de amigos que pisam na bola ou pedem coisas", diz o empresário.

Quando está em São Bernardo, na cobertura do edifício Green House, em uma movimentada rua comercial da cidade, Lula tenta se isolar. É intenso o assédio de ex-companheiros e parentes. "Uma vez conseguiram entrar no apartamento quando ele estava ausente e ficaram esperando que ele chegasse. Os seguranças sozinhos às vezes hesitam em agir, porque não sabem se a visita é bem-vinda ou não", lembra um interlocutor do presidente. Amigos de Lula foram informalmente escalados para fazer uma espécie de filtragem, dos que tentam ver o presidente. Até ser alvo de operação policial, Vavá exerceu este papel junto a supostos familiares.