Título: Área de entretenimento é prioridade para a Microsoft, diz Steve Ballmer
Autor: Borges, André
Fonte: Valor Econômico, 12/07/2007, Empresas, p. B1

Primeiro foram os videogames. Atraída pelo mercado bilionário dos consoles e jogos até então concentrados na Sony e na Nintendo, a Microsoft decidiu entrar de cabeça na disputa pelo entretenimento digital com o anúncio de seu Xbox. Depois veio a Apple com seu iPod, e varreu o mercado de música on-line. A reação da companhia de Bill Gates veio em novembro do ano passado, com o lançamento do tocar de MP3 Zune. Mas e agora que chega às lojas dos Estados Unidos a histeria da Apple com o seu iPhone, já esgotado em muitas prateleiras, a Microsoft não tem planos de lançar seu próprio celular, um iZune?

A pergunta direcionada a Steve Ballmer, que concedeu entrevista exclusiva ao Valor, arranca um sorriso curto do executivo que nos últimos anos tem comandado as operações mundias da Microsoft como presidente executivo da companhia. Ballmer faz pausa, se ajeita na cadeira e saca de uma resposta com ar de convicção: "Não está nos nossos planos". Não está mesmo? "Eu não estou dizendo que nunca estará nos planos, mas [hoje] não está."

O simples fato de haver uma possibilidade, ainda que mínima, de a Microsoft um dia vir a fabricar um rival para o iPhone ilustra bem o atual momento vivido pela companhia. A divisão de entretenimento, até pouco tempo atrás completamente estranha aos negócios da maior empresa de software do mundo, é hoje uma de suas prioridades. Mas isso não significa que a empresa tenha que fazer tudo dentro de casa, diz Ballmer. "Veja, nós temos ótimos parceiros, há um grande volume de inovações de hardware baseados no Windows Mobile", versão do sistema operacional voltada para dispositivos móveis. "Nós queremos ter nossos produtos rodando em centenas de milhares de celulares em todo o mundo, e o melhor jeito de fazer isso provavelmente é não fabricando um aparelho."

Ao falar sobre o iPhone, o executivo afirma que o novo "brinquedo" de Steve Jobs, o fundador da Apple, "pode até ser um aparelho popular para algumas pessoas, mas eu não acho que algo que custe US$ 500 seja algo tão popular para muita gente". A estratégia da Microsoft, comenta o executivo, será a de se concentrar exclusivamente na venda de sistemas para os tradicionais fabricantes dos equipamentos. "Nosso modelo é desenhado de uma forma que permita que a inovação de software flua, para que as empresas de hardware possam entrar e fazer parte desse mercado, envolvendo celulares e PCs."

As projeções dos analistas apontam que a receita da Microsoft com a área de entretenimento cresceu entre 3% e 46% no ano fiscal 2007, encerrado em junho. Os números consolidados, porém, só serão conhecidos no próximo dia 19. Estimasse que o Xbox responda por US$ 4,6 bilhões em vendas no ano fiscal 2007, segundo analistas do Goldman Sachs. A expectativa é que essa cifra salte 67% até o ano fiscal 2009, atingindo US$ 7,6 bilhões. Entre os mesmos períodos, projetasse que as vendas do Zune passem dos US$ 250 milhões atuais para US$ 575 milhões. Até lá, a área de entretenimento geraria um lucro operacional de US$ 1,2 bilhão.

São projeções. De concreto até agora é o fato de que o Xbox ainda não deu lucro para a Microsoft. "É verdade que ainda temos que provar o lucro com o Xbox. Mas ele virá", diz Ballmer. Recentemente, analistas dos EUA chegaram a especular se não seria mais interessante para a Microsoft descolar a área de entretenimento de suas operações. Uma "cisão" permitiria que a companhia pudesse se concentrar mais diretamente em seus sistemas empresariais, talvez o maior alvo da companhia hoje, e deixaria a equipe do entretenimento mais concentrada em seus objetivos. Ballmer refuta qualquer possibilidade. "Não há nada que justifique isso, não vemos benefício algum", comenta. "Hoje há integração tecnológica entre o Xbox e o MSN, por exemplo, também há integração com o Windows Live, não faz sentido pensar nisso."

A área de entretenimento é hoje apenas um dos desafios que a Microsoft pretende enfrentar. Há dois meses, a companhia anunciou a compra da aQuantive por US$ 6 bilhões. Com a transação, a empresa quer melhorar o seu relacionamento com anunciantes e agências de publicidade, para avançar sobre o mercado de propaganda on-line, disputado por Google e Yahoo. "Hoje somos o terceiro maior vendedor de publicidade on-line em todo o mundo. Fico orgulhoso disso, afinal não somos o quarto colocado. Mas vamos brigar para ser o segundo, ou o primeiro", diz Ballmer.

É na busca por novos mercados que a empresa fundada em 1975 por Bill Gates vem redefinindo seus concorrentes. Há cerca de dois anos, Gates chegou a dizer que seu maior concorrente era a gigante IBM, e não o Google, como a maior parte do mercado estava pregando. Pode-se dizer o mesmo hoje? "Acredito que não", afirma Ballmer. "Alguns de nossos maiores concorrente hoje são modelos alternativos de negócios. O Google, claro, é um concorrente, mas está mais ligado aos negócios de publicidade on-line, que é outro modelo de negócios. Outro concorrente são os sistemas abertos, que na realidade não são uma tecnologia, mas um outro modelo de negócio, onde pessoas voluntárias e sem remuneração desenvolvem software. Também temos que concorrer com esse modelo."

Há dois meses, a Microsoft acusou a comunidade de software livre de ferir mais de 200 de suas patentes. A empresa reclama que a base (kernel) do sistema operacional Linux, o mais popular software de código aberto, viola 42 patentes da companhia. A interface gráfica do Linux, entre outros elementos de design, quebrariam outras 65 patentes da companhia de Bill Gates. Mas nem tudo é disputa quando o assunto é sistema operacional. Em novembro do ano passado, a Microsoft firmou uma parceria com a Novell, uma das maiores empresas dos sistemas abertos. Executivos da Red Hat, a maior companhia de Linux do mundo, chegaram a declarar que a Novell havia "vendido sua alma" para a Microsoft. Questionado sobre o assunto, Ballmer diz apenas que trata-se da "maneira como cada um lida com o assunto".

"Antes de anunciarmos a parceria com a Novell, já estávamos trabalhando em estratégias ligadas ao software livre há três anos. Sistemas operacionais vão coexistir em todo o mundo. Nosso desafio é ver como ambos os modelos podem coexistir e respeitar a propriedade intelectual", comenta o executivo. "Falamos com empresas de várias indústrias. Elas ficariam felizes se [o mesmo acordo fechado com a Novell] acontecesse com Rad Hat e outras. Acontece que ainda há muita emoção e blá blá blá em torno desse assunto. Mas não se engane, temos avançado nessa área com base no que os clientes nos pedem."

O repórter viajou a convite da Microsoft