Título: BC deixa porta aberta para mudar regras de exposição dos bancos
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 12/07/2007, Finanças, p. C1

O Banco Central deixou uma porta aberta para discutir com os bancos eventuais modificações nas circulares, editadas no início de junho, que apertam as regras sobre exposição cambial. Mas a autoridade monetária já sinalizou que não abre mão dos princípios prudenciais que nortearam a edição das medidas.

A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) entregou ao BC um documento em que pede o relaxamento das novas regras. Argumentam, no texto, que foi imposta exigência adicional de capital da ordem de R$ 14 bilhões, o que, como contrapartida, limitaria em R$ 130 bilhões a capacidade de contratar novas operações de crédito. Ontem, a Febraban não quis comentar o documento, afirmando que ainda discute o assunto com o BC.

Quando anunciadas, parte do mercado financeiro entendeu as circulares como uma iniciativa para conter a apreciação da taxa de câmbio, a despeito de a autoridade monetária ter dito que tinha apenas o objetivo de controlar o risco assumido pelos bancos para, assim, garantir a solidez do sistema financeiro. A prova dos nove aconteceu em 2 de julho, quando duas das medidas passaram a ter efeito pleno (a terceira delas havia entrado em vigor em junho). De 8 de junho, quando as circulares foram anunciadas, até 2 de julho, quando tiveram efeito pleno, a taxa de câmbio sofreu uma valorização de 2,35%, passando de R$ 1,9638 para R$ 1,9176. A certeza do BC de que as circulares não teriam impacto na taxa de câmbio vem do fato de que, em anos anteriores, foram adotadas medidas semelhantes, sem que houvesse repercussões maiores na cotação do dólar.

Em 8 de junho, entrou em vigor a circular 3352, que reduz de 60% para 30% do patrimônio de referência (PR) a exposição líquida máxima dos bancos em câmbio. Não se esperavam maiores repercussões no dólar. Primeiro, porque a exposição havia sido aumentada pouco tempo antes, em dezembro de 2006, de 30% para 60%, e o BC apenas retomou o percentual anterior. Segundo porque, de fato, a posição de câmbio dos bancos estava muito longe de 60% do PR, e mantinham-se muito próximas do novo limite, fixado em 30%.

Outra circular do BC (3353), que entrou em vigor em 2 de julho, aumenta a exigência de capital de 50% para 100% para a exposição cambial. Reverteu, dessa forma, a redução da exigência de capital feita em julho de 2003, quando caiu de 100% para 50%. Nesse caso, não se trata de limitar a posição dos bancos, mas obrigar as instituições financeiras a colocar mais capital próprio para os riscos cambiais. Essa regra, de fato, exigiu um volume adicional de capital, mas que pode ser perfeitamente absorvido pelo sistema, que é bastante líquido em bem capitalizado.

As duas circulares acima foram anunciadas não porque houvesse exposição cambial exagerada dos bancos, que impunha um risco sistêmico ao setor bancário. A preocupação foi muito mais com a dinâmica da exposição cambial. Os bancos atuavam na direção de aumentar as posições em câmbio, em um movimento especulativo em uma só direção. O BC achou melhor tomar uma decisão preventiva para evitar que, em breve, houvesse de fato uma posição unidirecional muito elevada, que deixaria o sistema exposto a eventuais mudanças no humor do mercado.

A preocupação dos bancos, expressa pela Febraban, é quanto uma terceira circular (3351), que, de fato, exige mais capital dos bancos, mas em volume que também pode ser arcado pelo sistema. O BC aceitou discutir eventuais ajustes na medida. Em síntese, a medida procura exigir capital para lidar com o chamado risco jurisdicional, ou seja, o risco cambial assumido por bancos com presença em mais de um país. Pela regra antiga, os bancos calculavam a sua exposição líquida de câmbio dentro do Brasil e, em seguida, abatiam as posições inversas de filiais em outros países. Ou seja, se um banco estava vendido em cambio no Brasil e comprado na sua filial nas Bahamas, um valor era abatido do outro. Na nova circular, o BC limita a possibilidade de o banco abater posições mantidas no exterior.

O objetivo foi meramente adequar a regulamentação brasileira aos princípios do acordo de Basiléia, que exige que matrizes localizadas em outros países - sujeito aos riscos de outras jurisdições - sejam tratados como bancos diferentes. Ou seja, que tenham identidade de risco próprio. Outras economias já adotam esse princípio. No Brasil, devido à baixa conversibilidade da moeda, uma filial localizada no exterior tinha o mesmo tratamento que uma agência comum. O acordo da Basiléia permite impor limites mais rígidos. O BC adotou regra intermediária.

A Febraban, em carta enviada ao BC, diz que essa regra é a principal responsável por um aumento da ordem de R$ 14 bilhões na exigência de capital para fazer frente a riscos cambiais. Argumentou ainda que, ao exigir mais capital nessas atividades, tira capital que poderia lastrear operações de crédito - no limite, dizem os bancos, a regulamentação faria com que o estoque de crédito na economia fosse algo como R$ 130 bilhões menor.

Em termos concretos, a medida não terá maiores impactos sobre o crédito, já que os bancos têm folga de capital. Na verdade, o que vai ocorrer é que os gestores dos bancos vão ter que pesar melhor onde vai alocar seu capital, colocando o risco jurisdicional nessa equação. A tendência é que a revisão envolva aspectos pontuais, corrigindo inevitáveis distorções que ocorrem quando um conceito teórico é posto em prática. Um dos pontos levantados pela Febraban é quanto às captações de filiais dentro da resolução 2.770 do CMN, nas quais os recursos são repassados a clientes, após transitar pelas matrizes.