Título: Euro forte poderá acabar em lágrimas
Autor: Münchau, Wolfgang
Fonte: Valor Econômico, 17/07/2007, Opinião, p. A15

"Não estou preocupado com uma valorização do euro. Eu adoro um euro forte", disse Peer Steinbrück, ministro das Finanças alemão, na semana passada.

Apaixonar-se por uma moeda forte não é incomum, para um ministro das Finanças da Alemanha. Eu acredito que o affair de Peer Steinbrück será excerbado, brutal e breve. Desde sua declaração na semana passada, o euro valorizou ainda mais. Se a moeda continuar nessa tendência, especialmente a Alemanha viverá uma disparada cambial sustentada, pois sua economia continua, como sempre, dependente de um setor exportador bem-sucedido. Apesar de os alemães terem uma tolerância à dor de cotovelo cambial um pouquinho maior do que os franceses, não estamos, ainda assim, muito demais de nosso limiar de sofrimento.

Prever o câmbio é um exercício fútil. É evidente que o euro está substancialmente sobrevalorizado. Mas existem riscos estruturais não triviais de que o euro poderá valorizar ainda mais no curto a médio prazo. Naturalmente, é possível que isso não aconteça. Mas se acontecer, Steinbrück não apenas terá de engolir suas palavras. O mais preocupante é que ele e seus colegas europeus não terão idéia do que fazer, nessas circunstâncias.

Quais são esses riscos estruturais? O primeiro, vimos na semana passada. Os mercados cambiais reagem com muita sensibilidade a más notícias sobre o mercado habitacional americano e com ele impacta o consumo americano. Um esfriamento maior do que o esperado na economia americana poderia acelerar a tendência de migrações de carteiras de investimentos dos EUA para a zona do euro.

O segundo fator é o desassossego nos mercados de crédito. Não podemos saber como um aperto no mercado de crédito afetará a cotação do euro em relação ao dólar. Meu palpite é que isso será mau para o dólar. Um fator que pesou sobre o dólar, na semana passada, foi a perspectiva de aumento no risco associado com o mercado americano de financiamento habitacional segunda linha e a possibilidade de contaminação de outros segmentos do mercado de crédito, inclusive o mercado de dívidas colateralisadas por ativos. A percepção de que a crise no mercado de crédito poderá ser ruim para o dólar parece ter sido um dos fatores na onda de vendas na semana passada. A zona do euro é cada vez mais vista como um refúgio seguro. Ashraf Laidi, analista de câmbio na CMC Markets, enfatizou que o euro tem sido uma das únicas três moedas no mundo industrializado que valorizou em relação ao ouro neste ano.

Um terceiro fator é uma possível mudança na denominação da reservas em moeda estrangeira. Fala-se muito em tal conversão, mas ela ainda não aconteceu. O dólar ainda corresponde a cerca de 65% das reservas cambiais em todo o mundo, contra 25% do euro. Mas se o fortalecimento do euro prevalecer, a referida conversão poderá acontecer em algum momento.

-------------------------------------------------------------------------------- Um esfriamento maior do que o esperado na economia americana poderia acelerar as migrações de carteiras de investimentos dos EUA para a zona do euro --------------------------------------------------------------------------------

Muitos economistas argumentam que o euro jamais contestará o papel dólar. Os mercados financeiros americanos têm se mostrado bem mais líqüidos, e os EUA vêm desfrutando um longo período de admirável estabilidade macroeconômica. Além disso, há um alto grau de inércia no sistema. Raramente acontecem inversões.

Mas, desde seu lançamento, o euro tornou-se uma opção cada vez mais comum para âncoras cambiais oficiais e "de facto". Além disso, a iliqüidez nos mercados financeiros europeus, que constituia uma grave desvantagem para o euro até há poucos anos, diminuiu significativamente. Esse foi, possivelmente, o fator individual mais importante no crescimento do papel internacional do euro, especialmente como moeda para emissões de dívidas empresariais e soberanas. Acredito que um período sustentado de desvalorização do dólar fortalecerá significativamente o papel internacional do euro. Esse processo poderá acelerar, à medida que mais países abandonarem a ancoragem ao dólar e migrarem seja para uma cesta mista ou para um sistema de câmbio flutuante. O resultado seria um mecanismo de auto-reforço mediante o qual um fortalecimento cambial do euro reforçaria sua condição de moeda mundial de reserva, o que, por sua vez, poderia produzir uma valorização adicional da taxa de câmbio do euro.

Portanto, existem ao menos três razões pelas quais a taxa de câmbio do euro poderá subir ainda mais. O que farão os europeus, nesse caso? Minha predição é que eles primeiro vão brigar para determinar quem está no comando. A organização legal e institucional da zona do euro é ambígua sobre a divisão de responsabilidades. Se se tratasse exclusivamente de uma briga entre políticos e bancos centrais, os políticos provavelmente ganhariam. Mas a questão agora transformou-se numa briga entre políticos, especificamente entre o presidente francês Nicolas Sarkozy, que defendeu uma política cambial mais intervencionista, e a chanceler alemã Angela Merkel, que se disse disposta a não permitir que isso aconteça.

OK, e se o euro subir para mais de US$ 1,40? A capacidade alemã de melhorar sua posição competitiva por meio de uma desvalorização da taxa de câmbio real já se esgotou. Com o desemprego substancialmente baixo, as condições no mercado de trabalho estão gradualmente voltando ao normal. O mais recente acordo salarial, e informações sobre escassez de capacidade são uma clara evidência de que o processo alemão de ajuste competitivo já foi concluído. Quando o euro chegar a US$ 1,45, a moeda estará forte demais até mesmo para o gosto de Steinbrück.

Minha suspeita é que o governo alemão enfrentará dificuldades para manter sua posição atual - e que Sarkozy vencerá essa discussão. Seria muito melhor se a zona do euro adotasse um processo mais estruturado para lidar com exageros cambiais. Mas, na ausência de tal estratégia, o que mais provavelmente teremos é confusão seguida por pânico.