Título: Fim de um reinado?
Autor: Monteiro, Luciana e Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 17/07/2007, EU & Investimentos, p. D1

Foi-se o tempo em que fundo de investimento era sinônimo de renda fixa. O crescimento das aplicações em carteiras diversificadas - como os multimercados e fundos de ações - nos últimos três anos está mudando o perfil do setor como um todo e deixando-o mais sujeito ao comportamento de outros mercados, como a bolsa e o câmbio. Um sinal dessa mudança está na rentabilidade média dos fundos em geral, até há pouco tempo fortemente influenciada pelo Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI). Olhando de 1998 para cá, poucos foram os anos em que o rendimento médio das carteiras superou o CDI e, mesmo assim, com uma diferença muito pequena. Mas um levantamento do site financeiro Fortuna mostra que o ganho médio dos fundos de investimento nos 12 meses encerrados em junho de 2007 foi de 17,87%, para 13,16% da variação do CDI. A diferença ("spread") entre o rendimento das carteiras e o indicador, de 4,7% no período, é a maior dos últimos anos.

O levantamento mostra ainda que essa diferença entre o retorno dos fundos e a variação do CDI entre 2006 e 2007 supera com folga o "spread" de 2,2% registrado entre 2002 e 2003. Até então, essa era a maior diferença entre o rendimento dos fundos, que naquele período foi de 25,19%, e o CDI, de 22,55%, conta Marcelo D'Agosto, sócio do Fortuna (ver tabela acima).

"É um retorno acima do CDI surpreendente e uma boa notícia para os aplicadores", avalia Bolivar Godinho, professor de Finanças da Fundação Instituto de Administração (FIA). O relatório do Fortuna destaca a forte contribuição dos fundos de ações que, apesar de ainda representarem apenas 5,80% do setor, tiveram uma rentabilidade média de 52,51% em 12 meses encerrados em junho, impulsionados pela alta do Ibovespa, de 49,08% no período. "Além dos fundos de ações, os multimercados tendem a ir bem quando a bolsa está em alta", lembra o professor, contribuindo para essa rentabilidade acima do CDI no período. A participação dos multimercados no setor de fundos já é de 15,09%, segundo o Fortuna, e contribuiu com um retorno médio de 21,05% em 12 meses até junho.

E a mudança no perfil do setor de fundos brasileiro tende a se acentuar ainda mais, como mostram os números de captação até dia 12 de julho. Em 12 meses, as carteiras de multimercados registram entrada líquida, descontada a rentabilidade e os saques, de R$ 32,672 bilhões, elevando o patrimônio total da categoria para R$ 170 bilhões. Os fundos de ações captaram R$ 15 bilhões, atingindo R$ 65 bilhões. A esse valor, deve-se somar os R$ 13,791 bilhões dos fundos de privatização, que apresentam resgates de R$ 1,032 bilhão por conta das carteiras FGTS, que só permitem saques. No mesmo período, os fundos DI perderam R$ 22,690 bilhões e os renda fixa captaram R$ 11,9 bilhões, resultando numa redução da parcela de fundos atrelada ao CDI. Mesmo assim, os renda fixa e os DIs ainda dominam o setor, com R$ 296,5 bilhões e R$ 159 bilhões, respectivamente, ou 40,39% do total.

Um dos efeitos dessa mudança é que o setor terá de aprender a deixar de lado o CDI como referencial absoluto. Usado durante anos como comparativo para as carteiras de renda fixa em geral, ele teve seu uso estendido para os multimercados, mesmo que as carteiras não tivessem como estratégia a renda fixa apenas. E os gestores acabaram tendo a tarefa ingrata de tentar superar o indicador. Mas agora a realidade é outra. Com os juros num dos menores níveis da história e a bolsa batendo recordes, os investidores e os gestores estão arriscando mais e o reflexo aparece nos ganhos dos fundos.

Outro efeito é o aumento de opções de carteiras para o investidor. Neste ano, mais de dez carteiras diferenciadas de ações foram criadas por bancos de varejo como Bradesco, Itaú e Unibanco, incluindo fundos de infra-estrutura, pequenas empresas e dividendos. Só o Unibanco criou três carteiras de ações no mês passado - uma de pequenas empresas, outra com arbitragem de ações e outra de empresas selecionadas. Há também maior oferta de multimercados com seguro ou garantia de principal, que ajudam a atrair o investidor mais conservador. O Santander já lançou vários fundos desse tipo, assim como o Safra, e o ABN Amro Real está captando até dia 20 em um fundo multimercado com seguro de principal.

O aumento do volume aplicado em fundos de investimento e os altos níveis de rentabilidade média das carteiras fizeram com que o rendimento do setor nos últimos 12 meses atingisse um volume de R$ 164 bilhões. O total representa um crescimento de 25% em relação aos 12 meses encerrados em junho de 2006, de R$ 131 bilhões. Foi a primeira vez nos últimos cinco anos que o retorno dos fundos chegou a essa marca, segundo o Fortuna.

Além da valorização da bolsa no período, o aumento dos investimentos em fundos contribuiu para esse volume recorde de rendimento. Em fevereiro deste ano, o patrimônio do setor atingiu a marca histórica de R$ 1 trilhão. As previsões eram de que o nível só seria alcançado no fim do primeiro semestre. "É natural que, diante de uma base maior, o retorno em termos de volume de recursos também seja maior", pondera Godinho.

Nos últimos 12 meses até junho, o setor registrou captação de R$ 54 bilhões. Somente neste ano, a entrada de recursos soma R$ 60,864 bilhões e, em julho, o ingresso é de R$ 2,447 bilhões até o dia 12. Do total captado em 2007, a maior parte teve como destino os multimercados, que receberam R$ 19,420 bilhões, até dia 12. Em seguida, ficaram as carteiras de renda fixa, que podem aplicar em papéis prefixados, com captação de R$ 14,1 bilhões. Já os fundos de ações receberam R$ 13,195 bilhões ano ano. Em contrapartida, os DI, que aplicam em títulos pós-fixados, tiveram resgates de R$ 12,130 bilhões.