Título: Complacência com despesa dá menos espaço para baixar jur
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2005, Brasil, p. A3

Dúvidas sobre a situação fiscal para este ano, associadas às informações dispersas de aumento das despesas, começam a incomodar os analistas da política econômica. Há uma forte tendência para o aumento do gasto público este ano o que, aliás, já ocorreu em 2004. É grande a generosidade com a expansão das despesas com a manutenção da máquina administrativa; com os aumentos já contratados com a folha de pessoal para este e para o próximo ano; e com a superação de metas para os programas de transferência de renda do orçamento para pessoas (programas de renda mínima). Complacência com a despesa significa, ao final das contas, impor maior austeridade à política monetária e, portanto, menos espaço para a redução da taxa de juros. O Orçamento da União de 2005, à espera da sanção presidencial, traz um "buraco" de mais de R$ 10 bilhões (despesas sem a correspondente fonte de financiamento), estima o economista e especialista em política fiscal, Raul Velloso. Isso por causa dos gastos decorrentes do aumento do salário mínimo para R$ 300,00 neste ano, mais os R$ 5,2 bilhões de ressarcimento aos Estados, por causa da Lei Kandir. O orçamento tal como aprovado pelo Congresso reestimou em mais R$ 16 bilhões as receitas totais para 2005 e não houve, ainda, a decisão sobre o contingenciamento. Por trás das inquietações sobre a performance da política fiscal está a constatação de que - apesar do superávit primário de 4,5% do PIB em 2004 e da meta de 4,25% para este ano - a prática efetiva é de uma política fiscal expansionista desde o ano passado. O que financia o aumento do gasto é o aumento da arrecadação que, em 2004, superou em cerca de R$ 13 bilhões as expectativas oficiais. Para este ano, o governo conta com a aprovação da medida provisória nº 232, que produz um aumento da cobrança de impostos para diversos setores da economia, mas que enfrenta forte oposição dos empresários e do Congresso Nacional. Além do que, liquidamente, só a alta das contribuições da MP poderá ser cobrada este ano, dado que os impostos têm que obedecer ao princípio da anualidade, lembra Veloso. O crescimento da economia em 2004 e o conseqüente aumento da arrecadação criaram as condições para que o governo do PT iniciasse uma política fiscal anticíclica que foi desperdiçada. Aliás, a adoção de uma prática contracíclica - que pressupõe poupar recursos nos tempos de prosperidade para ter um colchão capaz de enfrentar as épocas de escassez - foi anunciada pelo governo em 2003 como uma intenção para 2005. Não se falou mais sobre o assunto, desde então. As notícias de que o governo pretende renovar sua frota de veículos ou de que o Congresso Nacional aumentou as verbas dos gabinetes dos parlamentares são apenas a face mais visível de um aumento generalizado dos gastos com custeio (inclusive pessoal) que, a rigor, preocupam menos do que a propensão do governo de superar a cada dia as metas dos seus programas de transferência de renda para pessoas. Segundo cálculos de Velloso, cerca de 20% das receitas não financeiras do Orçamento da União estão comprometidas com programas de renda mínima de todas as naturezas. Isso representou, em 2003, gastos equivalentes a R$ 60 bilhões. A proporção manteve-se em 2004 e , tomando o fluxo de 2003, de R$ 60 bilhões, e projetando essa conta para os próximos 18 anos, com desconto de 6% ao ano (tempo que equivaleria a calcular tal fluxo tendendo ao infinito), essa conta leva a um passivo assistencial de cerca de R$ 1 trilhão. "O passivo assistencial que está se formando é gigantesco", sublinha. Para Velloso, esse é um dado que não tem paralelo entre países emergentes. "Trata-se de uma expansão do gasto com cheiro de desordem, dado que a política, nos programas de renda mínima, é a de, a cada ano, superar metas". Para ele, o crescimento dos gastos de custeio é tão somente conseqüência da opção do governo Lula pela expansão da despesa com os programas. Ao mesmo tempo, sem conseguir deter as pressões, o Ministério da Fazenda tenta viabilizar as contas com o aumento das receitas. A diferença, talvez, seja que, agora, surge uma forte resistência da sociedade em pagar mais tributos. "A pergunta relevante que faço é: Esse processo já chegou ao seu limite? Estamos numa encruzilhada e chegou a hora de discutirmos o gasto público?", indaga Velloso.