Título: Parecer garante haver água para desvio do São Francisco
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2005, Brasil, p. A6

O governo obteve ontem uma importante vitória que o deixa a apenas um passo de ganhar sinal verde para executar a transposição do rio São Francisco - maior obra de infra-estrutura planejada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, orçada em R$ 4,5 bilhões. Um parecer técnico que garante haver água suficiente no rio para desvios ao semi-árido nordestino foi aprovado pelo Conselho Nacional dos Recursos Hídricos, instância máxima para a gestão das bacias hidrográficas do país. Opositores do projeto prometeram recorrer à Justiça para anular a reunião. Dos 57 assentos no conselho, o governo federal detém 29. O restante é de governos estaduais, indústrias e grupos de consumidores. Orientados previamente a não contestar os benefícios da transposição e a disponibilidade de água para concretizar a obra, os representantes oficiais propiciaram uma vitória previsível e confortável. O parecer preparado pela Agência Nacional das Águas (ANA) recebeu 36 votos a favor, dez abstenções e apenas dois votos contra. Com isso, a ANA fará a concessão de outorga para uso das águas do rio no projeto. Agora basta o licenciamento ambiental para que a construção seja iniciada. As audiências públicas que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realiza para debater com a sociedade civil os impactos da transposição terminam no dia 2 de fevereiro. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, fez questão de enfatizar que os técnicos do Ibama farão a análise sem pressa e com total autonomia. "Não existe qualquer pressão para que o licenciamento seja feito a toque de caixa", afirmou Marina. Ao longo de quase seis horas de reunião do conselho, o governo apresentou detalhes que ainda eram pouco conhecidos do projeto. O ministro interino da Integração Nacional, Pedro Brito, revelou que estudos econômicos apontam a criação de 180 mil empregos rurais no semi-árido nordestino e a geração de novas oportunidades de desenvolvimento regional. Brito defendeu a execução do projeto. Para rebater as críticas de que ele é caro, demonstrou os gastos do governo na última grande seca do Nordeste, em 1999. Segundo ele, foram gastos R$ 2,2 bilhões em assistência emergencial, o que incluía a distribuição de cestas básicas. "É uma ajuda com efeito imediato, que não fica para depois, enquanto o projeto de interligação das bacias hidrográficas se paga com o equivalente aos gastos de duas grandes secas", comparou. Foto: Ruy Baron/Valor

Marina Silva: sem pressão para que licenciamento seja feito a toque de caixa

Nem todos os detalhes expostos são boas notícias e sobrou munição para os opositores da transposição. O custo da água levada ao semi-árido pelo projeto, antes do tratamento, será de R$ 0,115 por metro cúbico/segundo (m³/s). Esse valor é cinco vezes superior ao oferecido atualmente pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), segundo Marcelo Cauás Asfora, professor do Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep) e representante técnico do Comitê da Bacia do São Francisco. A construção dos canais desviará, de forma permanente, 26 m³/s das águas do rio. Isso acarretará em perda de cerca de 200 megawatts médios (MW) em geração de energia para a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), estimou o novo diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman. Ele ponderou, no entanto, que o sistema elétrico não sofrerá qualquer prejuízo quando houver cheia na barragem de Sobradinho. Esse fenômeno, lembrou Kelman, ocorre em 44% dos meses, de acordo com a média histórica da barragem. Mesmo com eventuais perdas à geração, o impacto poderá ser compensado pela transferência de eletricidade da região Norte, por meio de linhas de transmissão, ou pela energia criada pelas usinas térmicas. De acordo com o parecer da ANA que foi aprovado ontem, a vazão máxima que pode ser retirada do rio São Francisco é de 360 m³/s. Já estão outorgados 335 m³/s e a transposição criaria uma nova demanda 61 m³/s, em média, podendo chegar a 114m³/s nos períodos de cheia de Sobradinho. A nota técnica da agência das águas mostra que a maior parte das outorgas não são utilizadas e serão revistas no curto prazo, abrindo espaço para a obra pretendida pelo governo.