Título: A oposição tem oposição a fazer
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2005, Política, p. A7

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso está incomodado com a oposição ao governo Lula. Acha que ela não está cumprindo seu papel institucional. Do jeito que vai, reforça a idéia, equivocada, de que a gestão atual é o terceiro turno de sua administração. Na semana passada, FHC conversou sobre o assunto com alguns tucanos. A amigos e interlocutores próximos, tem dito que "a oposição não pode esquecer de fazer oposição". "Na política, é preciso ter ferocidade, mas sem fazer o que o PT fazia comigo", disse o ex-presidente a um velho colaborador. De fato, os métodos do PT na oposição não eram propriamente republicanos. No período de FHC, propôs, sem base legal, o impeachment do presidente e rejeitou todas, rigorosamente todas as suas políticas. Isto, sem falar, na promoção de patuscadas irresponsáveis, como a lavagem das escadas dos palácios de Brasília para "limpar a corrupção". Velho conhecedor de Lula, FHC sempre soube que nunca houve diferenças ideológicas entre os dois. Nesse quesito, o atual presidente vai mais longe que seu antecessor. Outro dia, durante um discurso, sugeriu que não há motivos para patrões e empregados brigarem tanto. "Com frases como essa, Lula ainda vai acabar com a luta de classes", diverte-se FHC. Não havendo diferenças ideológicas entre Lula e Fernando Henrique, o que os separa é o projeto de poder. Tendo mantido o eixo da política econômica da gestão anterior, o governo do PT eliminou o que poderia haver de surpresa. "O susto acabou", reconheceu o ex-presidente em suas conversas. Diante disso, ainda sobram razões para fazer oposição? Na opinião de Fernando Henrique, é evidente que sim. Inicialmente, pelo próprio fato de se estar na oposição. Nessa situação, não se deve ter a ilusão, mesmo no Brasil, um país com partidos e instituições frágeis, de que a oposição terá votos para superar a situação. "O governo precisa de votos. A oposição não os tem, então, precisa ter posição", defendeu FHC nas conversas com os tucanos. "Precisa ter mais agressividade para contestar decisões do governo (como o recente aumento de impostos). Precisa mostrar e explorar as diferenças entre a atual gestão e a anterior." As diferenças mencionadas pelo ex-presidente são basicamente três: a falta de republicanismo do governo PT, a confusão entre o público e o privado e o comportamento dos petistas. Os exemplos ilustrativos são muitos, mas, nos encontros que tem tido com seus correligionários, Fernando Henrique cita como deficiência republicana a maneira como o PT compõe maioria no Congresso. Ao estimular políticos a abandonarem os partidos de oposição, abrigando-os em siglas de aluguel da sua base congressual, o governo enfraquece ainda mais o sistema partidário, tornando-o instável. Um exemplo de como o público e o privado flertam perigosamente é a reforma do Palácio da Alvorada patrocinada por um grupo de empresas. Durante oito anos, FHC resistiu a essa reforma, não porque a considerava desnecessária, mas porque desconfiava das circunstâncias do negócio - se o Estado brasileiro não estivesse falido, a reforma teria sido feita, mas com dinheiro do Tesouro.

Quem concorre em 2006 é Lula e não o PT

No que diz respeito ao comportamento, salta aos olhos o festival de deslumbramento que assola Brasília desde janeiro de 2003. Do AeroLula aos mafuás promovidos por adolescentes nas dependências dos palácios da capital, o gosto de alguns petistas pelas mordomias é algo chocante neste início de século. As regalias no setor público são um mal que os governos começaram a extirpar desde a gestão Sarney (1985-1990). "O deslumbramento, do ponto de vista sociológico, pode ser explicado, mas politicamente não é. Significa que está havendo a ascensão de uma nova camada social ao poder. É interessante porque mostra o vigor da democratização do país e da sociedade, mas afeta a imagem do governo", advertiu o ex-presidente, num encontro recente com um amigo. Com tantos flancos no governo, não é possível, raciocina FHC, que a oposição não consiga realizar o seu papel. Na avaliação do ex-presidente, a oposição precisa de um "buldogue" no Congresso. O deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) seria um desses "buldogues", que "mordem e ficam comendo o osso". O problema é que está, na linguagem futebolística do ex-presidente, "off-side" (em impedimento). FHC aprecia o desempenho do deputado José Carlos Aleluia, líder do PFL na Câmara, e dos senadores Arthur Virgílio e José Agripino Maia, líderes respectivos do PSDB e do PFL, mas acredita que, além do "buldogue", está faltando orquestração. "Os três são a banda de música da UDN. Falta tocar música." Diante do fato de que Lula é um líder carismático, com o dom da comunicação direta com o povo, portanto, com a conveniência de não ter que prestar satisfação de seus atos à opinião pública, a oposição, na opinião de FHC, teria que criar estratégias para levar sua mensagem à população. Mesmo não tendo muito o que mostrar além do milagre operado por Antonio Palocci na economia, Lula segue com elevados níveis de popularidade porque discursa quase todos os dias para a TV. No encontro com os tucanos, Fernando Henrique fez uma advertência: "Quem vai concorrer em 2006 não é o PT, mas o Lula". Deve ser ele o alvo do buldogue. Serra propõe voto distrital para vereador No encontro que teve semana passada com o presidente do PT, José Genoino, o prefeito de São Paulo, José Serra, fez proposta construtiva à reforma política. Ele sugeriu a adoção do voto distrital na eleição para vereador. Aprovar a matéria, alegou Serra, não seria tão difícil, na medida em que cabe ao Congresso, e não às Câmaras Municipais, votar a medida.