Título: Lista fechada é 'ponto mais delicado' da reforma política
Autor: Jamil Nakad Junior
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2005, Política, p. A8

A tradição do voto ser nominal foi confirmada nas eleições para vereador no ano passado. Dos eleitores que compareceram às urnas, 91% preferiram candidatos e não partidos na hora de votar para vereador. Uma das mais importantes alterações que a reforma política poderá aprovar é uma mudança no jeito do brasileiro votar para os cargos proporcionais. As lideranças partidárias voltaram a trazer a reforma política à pauta como uma das prioridades para 2005 e com ela a introdução da lista preordenada ou fechada. "É o ponto mais delicado", diz o relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça, deputado Rubens Otoni (PT-GO). A lista fechada fará com que os eleitores escolham partidos e não mais seus candidatos. Pelo menos é isso o que quer o projeto que se encontra na Câmara dos Deputados. Será uma forma de fidelizar o político ao partido e vincular o mandato à sigla e não mais ao candidato. É uma ação para evitar o troca-troca partidário, comum no sistema brasileiro. Mas os efeitos que a lista fechada podem trazer ainda são incertos. "A introdução das listas fechadas é uma grande revolução, acaba com o individualismo nas eleições proporcionais, aumenta a fidelidade partidária", diz o cientista político David Fleischer, da UnB, defensor da mudança, mas que preferia a adoção de sub-listas no modelo dos sistemas eleitorais argentino e uruguaio. Já o cientista político do Iuperj Jairo Nicolau argumenta que a mudança vai mudar o modo de fazer política no país: "Pela primeira vez na história os eleitores deixarão de votar em nomes e os políticos vão ter menos incentivo para atender suas bases. Não tem um caso clássico que me lembro de mudança de lista aberta para a fechada". O político terá que lutar para conquistar as primeiras posições na lista para ser eleito. Caberá ao partido ordenar a lista e conforme o número de vagas que cada legenda conquistar, os candidatos nas eleições proporcionais (vereadores e deputados) obterão as vagas. "A briga vai ser para entrar na lista. Depois de formadas as listas, o conflito vai ser entre os partidos. Hoje não há conflito entre os partidos", avisa Fleischer que lembra que a disposição transitória que beneficia os atuais deputados. Como realmente esse sistema vai funcionar vai depender da prática. Nicolau lembra que pode diminuir o clientelismo, mas são incertas as mudanças na campanha e como o eleitor vê os partidos. Hoje, nas campanhas eleitorais, preocupam-se em vender os políticos e menos os partidos. Mas o fim da tradição personalista vai depender de como cada partido vai se comportar. Imagine uma lista para deputado federal encabeçada por Geraldo Alckmin e outra pelo apresentador de TV, Ratinho. Como o eleitor vai se posicionar? "Temos que ver como os partidos vão agir, se na hora de fazer suas propagandas vão se dedicar mais a propostas ou à personalização", lembra o analista político da UnB. "Conhecemos como funciona o sistema atual, podemos imaginar como o sistema poderá ficar, mas nem sempre as reformas atingem aos objetivos que se pretendem", avisa Nicolau. A grande mudança no sistema eleitoral brasileiro desde os anos 50 foi o fim da contagem dos votos brancos como válidos, alteração que beneficiou os pequenos partidos. Depois disso nada de significativo mudou. As reformas do sistema eleitoral às vezes vêm para prejudicar partidos em ascensão, como o que aconteceu na Europa quando os conservadores temiam o crescimento dos partidos socialistas. Mas para o analista Jairo Nicolau, não há um grupo favorecido que chame atenção nesta eventual mudança. Mesmo dentro dos partidos, há uma divisão, explica o analista do Iuperj. "O número de deputados contrários a formação das listas fechadas é muito maior em partidos como o PTB, PL e PP. Já nos partidos maiores - PT, PSDB, PFL, PMDB - e no PSB e PDT, os deputados favoráveis prevalecem sobre os contrários. Vai depender do perfil de cada deputado. Eles vão fazer cálculos para evitar seus riscos na hora de se reeleger." A reforma política já passou pela comissão especial da Câmara e agora se encontra na CCJ. O relatório de Otoni relatório é favorável a admissibilidade da proposta. Se for para o plenário, a reforma só precisará de maioria simples, isto é, a maioria dos deputados presentes na sessão. Otoni diz que a lista fechada é "o ponto mais delicado da proposta": "A questão ainda está em aberto. A lista mista também é proposta, mas complica o financiamento público de campanha". "A elite parlamentar está convencida de que a medida vale o risco, mas não se sabe se as bases (baixo clero) vão acompanhar. Vai prevalecer o cálculo de cada deputado", diz Nicolau, que preferia uma lista flexível, parecido com o modelo da Bélgica. Pela experiência internacional, a lista fechada é vista como uma maneira de fortalecer os partidos. Votar na legenda foi a opção de pouco mais de 9 milhões de eleitores em 2004. Outros 88 milhões foram atrás dos números dos candidatos na hora de apertar o voto para vereador, segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral. Pelo sistema atual, alguns partidos já fazem uma espécie de lista fechada virtual quando distribuem os recursos do fundo partidário ou mesmo o tempo no horário eleitoral. Em 2002, na campanha para a Câmara dos Deputados em São Paulo, o deputado federal e então presidente nacional do PT, José Dirceu, dominava o tempo na TV, ao lado da propaganda partidária, e acabou sendo o petista mais votado. Já a deputada Luiza Erundina, brigada com o candidato do PSB à Presidência da República em 2002, Anthony Garotinho, ficou sem tempo na TV, mas mesmo assim conseguiu se eleger. Se valesse a regra da lista fechada, em 2002, Erundina provavelmente teria ficado de fora da Câmara por ir contra a decisão da cúpula do partido.