Título: Lidando com os votos contrários
Autor: Wolfgang Munchau
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2005, Opinião, p. A10

O que aconteceria se um dos 25 países-membros da União Européia se recusasse a ratificar o tratado constitucional? Essa questão geralmente implica uma de duas respostas. Há quem diga que o país que não ratificar deverá deixar a União Européia. Outros sustentam que nada acontecerá: a União Européia poderia simplesmente continuar existindo com base nos tratados existentes. É a escolha entre um divórcio desagradável e um impasse político permanente. Diante de tal escolha, seria o caso de se considerar uma terceira alternativa. Uma possibilidade interessante seria repartir a União Européia em duas - uma parte externa, na qual todos os membros participam, e a zona do euro. Isso não é o mesmo que a "geometria variável" - a noção de que países devem escolher "a la carte" as partes da integração européia que desejam adotar e as que querem evitar. Esse último tipo seria um arranjo mais inflexível. A parte externa consistiria de uma união aduaneira, uma política de comércio externo comum, um mercado interno, uma política única de concorrência e o livre trânsito de mercadorias, serviços, mão-de-obra e capital. Essa é, essencialmente, a União Européia atual, descontada a zona do euro e talvez também sem a política agrícola comum, fundos estruturais e as políticas comuns de relações exteriores e de segurança. A zona do euro politicamente fortalecida atuaria como um pólo para a futura integração político-econômica. Seria a escolha lógica de um núcleo duro, porque isso constituiria o mais alto grau de integração já atingido pela União Européia. Todos os países da UE deveriam, em princípio, ter o direito, porém não a obrigação, de ingressar nela. A condição de membro, no entanto, viria com a obrigação implícita de promover integração política adicional. A zona do euro exigiria uma constituição apropriada. A parte externa poderia existir com base nos tratados existentes, embora revisados. Ela não teria nenhuma agenda integracionista adicional. Essa opção tem uma série de atrativos. Primeiro, a União Européia poderia evitar confrontar seus membros com um pedido divisor, de se retirar da UE. Segundo, os países que almejam maior integração política poderão prosseguir sem impedimentos. Por exemplo, existe um argumento muito forte em favor da harmonização tributária no âmbito da União Européia existente. Terceiro, essa opção esvaziaria em muito a tensão em torno do debate da ampliação na França, Alemanha e Áustria. Não há nenhum motivo para a Turquia não integrar uma UE organizada em duas camadas. O mesmo se aplica à Ucrânia democrática.

Uma possibilidade seria repartir a União Européia em duas: uma parte externa, na qual todos os membros participam, e a zona do euro

Segundo as minhas contas, há 42 países na Europa, incluindo a Rússia e a Turquia, e excluindo o que eu chamaria de pequenas cidades-Estado - como Mônaco e Andorra - que têm acordos de associação com os membros atuais da União Européia. A UE provavelmente não se expandirá a ponto de incluir todos os 42, porém o número de membros poderá eventualmente se aproximar de 35. Essa alternativa seria compatível com outra rodada de ampliação e de integração mais profunda. Existem alguns argumentos respeitáveis contra essa opção. Uma UE de uma só camada conseguiu, até agora, combinar expansão e integração, e poderá fazê-lo no futuro. Se o princípio de uma Europa de duas camadas for legalmente estabelecido, poderá deflagrar uma divisão. O argumento contrário é que isso já aconteceu. Na teoria, a filiação à UE e ao euro são inseparáveis. Na prática, alguns países da União Européia poderão jamais se associar ao euro. A terceira opção meramente formalizaria em lei o que já existe na prática. A busca por cenários alternativos está fadada a preocupar muito, assim que a ratificação começar de verdade e se deparar com problemas. O primeiro referendo sobre o tratado deverá acontecer em 20 de fevereiro, na Espanha. Os espanhóis quase certamente votarão "sim". Mas acontecerão pelo menos nove referendos adicionais, inclusive no Reino Unido, onde pesquisas de opinião pública indicam uma robusta e crescente maioria por um voto "não". Conheço poucos representantes da UE que esperam que a constituição seja ratificada por todos os 25 países. Se alguns optarem por não ratificar, os líderes da União Européia se reunirão em um encontro de cúpula, em 2006, para decidir se esses países devem ser convidados a sair - uma decisão que carece de base jurídica - ou se aceitarão a alternativa politicamente irreal de viver sem a constituição. Não é boa prática confrontar perpetuamente os eleitorados nacionais com a dura escolha entre aceitar uma União Européia profundamente integrada e sair dela por completo. Deve haver uma outra via.