Título: O IBGE deveria ganhar um S
Autor: Luiz Carlos Merege
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2005, Empresas &, p. B2

Finalizamos o nosso último artigo nesta coluna com um apelo para que o governo federal, por meio do IBGE, realizasse um censo do terceiro setor. Fazia parte de um compromisso de mobilização que foi assumido por um grupo de cerca de 40 pesquisadores e lideres de organizações sociais, que reunidos em 29 de setembro na FGV-SP, se comprometeu a realizar uma campanha junto a autoridades governamentais para que o nosso país adotasse a metodologia da ONU desenvolvida especialmente para pesquisar o terceiro setor. Duas notícias no final do ano trouxeram enorme alegria para todos que estão desenvolvendo esforços de forma direta ou indireta para o fortalecimento do terceiro setor. A primeira dizia respeito ao compromisso do presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes, de adotar a metodologia da ONU para o levantamento de informações sobre o terceiro setor nas futuras pesquisas censitárias realizadas pelo instituto, implementando dessa forma uma conta específica para o terceiro setor na contabilidade nacional de nosso país. Com essa decisão, o Brasil junta-se a outros 11 países (Austrália, Bélgica, Canadá, República Tcheca, França, Israel, Itália, Quênia, Peru, Nova Zelândia e Estados Unidos) que se comprometeram nos últimos dois anos a adicionar às suas estatísticas nacionais uma conta satélite do terceiro setor, revelando finalmente a sua natureza e importância nas economias modernas. A segunda notícia trazida pela imprensa no dia 11 de dezembro revelava a finalização de um estudo realizado pelo IBGE, em parceria com a Abong e o Gife, intitulado "As Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil - 2002" ( www.ibge.com.br ). O trabalho, realizado a partir do Cadastro Central de Empresas (Cempre) do IBGE e levando em consideração a metodologia da ONU para a seleção das organizações, é um marco histórico para a análise do papel da sociedade civil organizada na construção de uma nova realidade social brasileira, considerando que a única referência estatística sobre o setor era o estudo realizado pelo Iser e publicado em 1999. Perguntas tais como: que tipo de organizações constituem o terceiro setor, como estão estruturadas, quantas são, onde estão localizadas, qual seu papel na implementação de políticas públicas, quando surgiram, quanto geram de emprego e renda, qual o perfil salarial e a tendência de crescimento do setor, foram respondidas revelando a pujança e o dinamismo ímpar da cidadania empreendedora.

De 1996 a 2002, total de organizações cresceu 157%

Vale a pena citar algumas informações importantíssimas que o estudo nos oferece. De 1996 a 2002, o número de organizações passou de 107 mil para 276 mil, registrando um magnífico crescimento de 157%, sendo que 62% das entidades foram criadas depois de 1990. A maioria delas encontra-se no Sudeste (44%), concentrando-se em São Paulo (21%) e Minas Gerais (13%). Essas organizações empregavam cerca de 1,5 milhão de pessoas em 2002, portanto gerando três vezes mais emprego que o governo federal. A movimentação de recursos para pagamento de salários e outras despesas alcançou a cifra de R$ 17,5 bilhões. São organizações pequenas, sendo que 77% delas não possuem qualquer empregado e somente 7% contam com dez ou mais pessoas remuneradas. Com relação à estrutura do setor, o estudo revela que as organizações religiosas correspondem a 25,5% do total, sendo seguidas pelas entidades que dedicam-se ao desenvolvimento e defesa dos direitos (16,4%) e pelas associações patronais profissionais (16%). Cultura e recreação, assistência social, assim como educação e pesquisa, que sempre destacam-se como sendo as áreas principais de atividades no terceiro setor, registram surpreendentemente 13,6%, 11,6%, e 6%, respectivamente. Cabe chamar a atenção para o fato de que se trata de um estudo baseado em dados secundários, que necessitaram de um tratamento delicado e laborioso, não constituindo, portanto um levantamento censitário, o que seria o ideal. O estudo não adotou plenamente a metodologia da ONU uma vez que foram eliminadas as organizações políticas e os sindicatos. A metodologia da ONU também inclui o levantamento das organizações informais, que no nosso continente constituem um número bastante significativo. No censo da Região Metropolitana de Belém, que concluímos recentemente, cerca de 26% das organizações pesquisadas são informais, e essa informação é importante para que políticas públicas estejam voltadas para a formalização e fortalecimento dessas organizações. O "s" acrescentado à sigla IBGE constitui em um reconhecimento e homenagem pelo trabalho de pesquisa que o instituto vem desenvolvendo na área social, indo além do inestimável trabalho de pesquisa econômica que tradicionalmente vem realizando. A busca de solução para o drama social que nos aflige só será possível com trabalhos reveladores de nossa realidade, como o que acaba de ser concluído.